O homem que não era tatuador

[Elsa Caetano]

Tocou com a ponta do aparo no dorso do frasco, rodou-o levemente para segurar a tinta aromatizada de café com um ténue toque de uma bebida adocicada e espirituosa, cor de mel. Recusara as sedentas folhas de papel para os seus versos. Essas que ameaçam beber em tragos gulosos toda a inspiração. Tinha tanto a dizer, mas não sabia como começar. Era tudo demasiado importante para ficar para depois, para a segunda e terceira linhas do seu mais maravilhoso poema. Inspirou umas gotas de silêncio e inclinou-se com brio, segurando o aparo com uma firmeza delicadeza.

Deleitou-se durante breves segundos na maciez da pele, para depois cravar a ponta delicada e afiada repetidamente, fundindo a tinta negra com o sangue rubro e sedoso, amparado por um delicado lenço de algodão. Permitia-se assim conhecer o contorno das suas inscrições, tatuadas com a graciosidade de um copista a delinear as sagradas letras bíblicas ou a leveza prazenteira de uma criança que desenha na areia. O seu lenço absorvente era tomado por uma tonalidade cada vez mais parda, próxima da alfarroba, à medida que se movimentava como uma onda suave que lava as letras escavadas.

Nem um uivo ou esgar de dor acompanhou o moroso processo de tatuagem poética, ele não era tatuaDor. A ebúrnea vela que balbuciava uma luz ténue consumia-se em silêncio assistindo o poeta na sua clarividência. De vez em quando, as gotas salitres de suor concentravam-se na testa franzida para serem colhidas no lenço maculado de reminiscências pleurais. Porque todas as linhas eram a primeira, todos os sentimentos o suspiro desencravado por uma respiração profunda, todas palavras um código plebeu desprovido da grandiosa aura do seu sentimento, não havia rimas emparelhadas ou decassílabos heróicos, nem tampouco palavras na verdadeira acepção da palavra, mas um acrónimo pequeno e desconhecido pelos apreciadores de literatura, pelos gramáticos, filósofos e até matemáticos. Letras numéricas acompanhadas de sinais de pontuação constituíam o seu poema. A pele cantava cicatrizando a tinta. Os novos poros respiravam a dádiva alfanumérica. A gravação cintilava como vidro esmagado e as lágrimas de sentimento vertidas sobre si mesmas assoberbavam a escritura escarlate. Foi assim que surgiu entre os Homens, o primeiro tatuAmor.

[Goreti Dias]

Tatuadas ficam as tuas palavras neste belo conto!
Beijo

[Dionísio Dinis]

Isto é poesia, na verdadeira acepção da palavra.Isto é saber transmitir ideias com elevação da escrita e alma a superar o firmamento.
Isto é muito bom de ler e de sentir!

[Tere Tavares]

Uma vez mais, outra vez o amor, vencendo barreiras. O amor sabe de coisas inimaginávies.
Abraço

[Elsa Caetano]

Que bonita recepção ao texto! Muito Agradecida ***

[margarida]

Um texto muito bonito. Gostei muito!

[marcopintoc]

Olá Elsa,

Gosto de te ver por aqui.
Bom conto carregado de positivismo. O trocadilho está muito bem conseguido como ancôra de todo o texto
Abraço
Marco

[Goreti Dias]

Apeteceu-me reler. Voltei a gostar.

[Maria Gabriela de Sá]

Também gostei

[Alfredo D]

Mesmo assim e doutra amneira de pensar é coisa de valor.