carlossoares
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« em: Novembro 02, 2008, 21:53:38 » |
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Era dia 11 de Novembro e decorriam, em Penafiel, as tradicionais feiras de S. Martinho, onde pontificam as castanhas que as vendedoras e os vendedores, nas esquinas e nos passeios, assam em panelas de barro sobre brasas de carvão vegetal, impregnando o ar da cidade do tÃpico aroma. Um rapaz, que ninguém dali conhecia, com um nariz tão comprido (mais longo do que os braços) que não conseguia assoar-se, (não, não era o Pinóquio) e com uma miopia ainda maior, andava pela cidade à procura de um elefante, reincidente, que se evadira do circo Equador, provavelmente, como da vez anterior, obcecado pelo cheiro e pelo sabor das castanhas. Havia na feira um palhaço, de nome Filoxera, junto ao coreto onde actuava a banda dos Voluntários da Borga. Ao passar perto dele, o rapaz do nariz descomunal e da miopia ainda maior confundiu-o com a maçaneta da porta do circo Equador, que supunha ter localizado. Isto provocou gargalhadas hilariantes no público que se juntara para ouvir os Voluntários da Borga e assistir à s pantomimas do Filoxera. Os elementos da banda também desataram a rir e, enfim, foi a desafinação total, com o regente a pousar a batuta e a tapar a cara com vergonha. Filoxera estava fascinado pelo nariz daquele rapaz a quem tomava por patarata e, logo, quis fazer graça fingindo invejá-lo e ameaçando arrancar-lhe o nariz de qualquer jeito. Foi tal o embaraço que o rapaz lhe chamou “seu madraço†fazendo tenção de continuar a procurar o elefante, se outro não fosse o seu destino. As inúmeras pessoas que assistiam à cena pensavam que era tudo a brincar. O rapaz reclamava para que o palhaço largasse o seu nariz e quando se pôs a chorar, as gargalhadas não tinham fim. Eis senão quando, um polÃcia corpulento, de cassetete em riste, se aproxima do Filoxera e grita «acabem já com essa chinfrineira». O palhaço olhou-o com uma expressão assustada e pôs-se em fuga, mas o rapaz do nariz comprido passou-lhe uma rasteira e o patife estatelou-se no chão. -Vão ter de se identificar - disse o polÃcia encolerizado. -Eu não existo - respondeu o palhaço. E fugiu por entre a multidão apinhada. O polÃcia voltou-se, então, para o rapaz, mas este, sem dizer nada, subitamente, morreu. Neste momento, toda a gente ria desbragadamente incluindo os elementos da banda. -Está morto! - exclamou o polÃcia, incrédulo e assustado, de olhos postos na multidão ridente. -Está morto! - repetiu, com semblante triste. Mas ninguém o tomou a sério e as gargalhadas continuaram. De lágrimas nos olhos, esforçando-se por altear a voz, o agente da autoridade, perguntou: - Alguém o conhe-nhe-nhece? Alguém sa-sa-sabe quem e-le-lé? De súbito, todos se calaram. A turbamulta abria alas a um cavaleiro que, em sua montada, se dirigiu ao local onde o rapaz jazia no chão empedrado. Sem proferir palavra, serenamente, apeou-se do cavalo. A capa que trazia tirou-lha dos ombros um sopro de vento. O cavaleiro agarrou o vento com mão amigável e a capa solta estendeu-se sobre o cadáver. Quando ia tapar-lhe o rosto, os lábios moveram-se e ouviu-se dizer: «S.Martinho».
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