História de uma sereia

[goncalos]

Como as notas saltitantes, suadas e quentes de um belo jazz ou de uma bossa nova, ergo-me de uma vez, decidido a mergulhar. Corro, sacudindo torrões de areia fina à minha passagem até penetrar na água morna e transparente, e aí fico o mais que posso. Quando, finalmente, a falta de ar me força a sair daquela placenta maravilhosa, sou forçado a franzir o sobrolho já que o poderoso sol me bate em cheio nos olhos. Apenas consigo ver uma silhueta feminina esplêndida, digna da mais bela das sereia a mergulhar ao meu lado. Aguardo ansiosamente que ela se erga, que lhe falte também o ar depressa para que a possa mirar de novo e eis que ela emerge no seu corpo doirado de sereia. De sereia que seja feita pra mim, peço eu aos céus nesse instante. Eu já não tenho olhos para mais nada mas ela finge que não me vê, finge que não tem coração que é mais peixe do que mulher mas os meus olhos dizem o contrário, que ela 110% mulher. Ela tenta afastar-se com braçadas perfeitas e eu vou atrás. A certa altura ela olha para trás e quase decide parar mas prossegue no mesmo sentido. Se eu olhasse para trás com certeza veria que nos afastamos demais do mar, que coloco a minha vida em perigo, que o nadador salva-vidas já está a pegar no seu apito para me chamar, mas a minha mente está só nela, naquele corpo doirado, naquela garota de ipanema e sigo, sempre atrás dela. Só que, a certa altura, as forças faltam-me e ela ganha-me terreno, não dá parte de fraca. O único fraco sou eu de corpo e coração. Vejo-a olhar para trás e sorrir um sorriso maroto que me põe forte de novo, que me resgata as últimas forças do corpo. Seguir-te-ei para onde for preciso sereia minha! Até aos confins deste oceano! Até que ela pára, olha para mim com um olhar terno e diz: “tolo, fui tua desde o início!”. Acordo em suores, a minha mulher está com o braço erguido sobre mim, quase a dar-me uma bofetada na cara, já que eu a preocupo enormemente com os meus espasmos oníricos, com as minhas ridículas poses de sonhador, controcendo-me bizarramente ali naquela singela cadeira de praia, com uma caipirinha aos pés derramada no chão e a minha mulher ali em frente a mim...é ela a minha sereia, claro! Dou-lhe um beijo apaixonado e sentido, e digo-lhe as palavras que, para ela não são mais do que delírios ridículos mas gostosos: “Vem aqui minha sereia!”.

Gonçalo Coelho  29/10/2007

[Goreti Dias]

Sê muito bem vindo a este espaço!
E parabéns pelo magnífico texto!
Um abraço

[goncalos]

Ainda bem que gostou da minha "sereia" e obrigado pelas boas-vindas, DiteApolinário! Devo dizer que já há algum tempo que andava para escrever aqui neste site e agora cá estou. Continuarei a passear por aqui, com toda a certeza, até porque tem vários autores que eu já conhecia de outras paragens e que gosto sempre de ler como a Goreti, por exemplo.

[britoribeiro]

O eterno fascínio das sereias! Gostei.

Abraço

[Dionísio Dinis]

Gostei, gostei muito, acima de tudo pelo passe de mágica do discurso masculino da personagem que, num ápice, transforma a aventura desejada em   vida conjugal pouco entusiasmante!
Fico feliz por estar por aqui, amigo Gonçalo!
Abraço fraternal.

[Marília]

tINHA QUE SER UMA SEREIA BRASILEIRA!  RS...RS...

[João Videira Santos]

Caro Gonçalo:
Sou suspeitissimo!
Porquê?
Porque gosto (muito!) do que escreve e pela "sorte" que dá a cada palavra.
Resumindo: Gosto e, sem delongas, PARABÉNS
Um abração amigo.

[goncalos]

Caro amigo João, muito obrigado por essas palavras que têm um significado especial para mim. Um abraço amigo.

Cara Marília, pois é...tinha de ser Brasileira, escrever enquanto se escuta bossa nova dá nisso, misturado com uns pózinhos das vivências que vagueiam na minha mente

Caro D.Dinis, como a gente vai tendo as nossas "tertúlias" de vez em quando, não será preciso dizer muito, excepto que não pare de escrever porque seria uma pena desperdiçar o talento que já tem.

Caro Brito Ribeiro, ainda bem que gostou da minha sereia!