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Autor Tópico: ValĂ©ria  (Lida 4341 vezes)
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marcopintoc
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« em: Maio 02, 2009, 23:05:52 »

ValĂ©ria chegou numa manhĂŁ de inverno onde os seus olhos de fiorde distante se diluĂ­am, curiosos, sobre a vizinhança onde pousava pela primeira vez o seu pĂ© envolto em calçado grosseiro. Modestas e largas , amorfo atentando Ă s linhas esculturais que mais tarde se revelaria ao mundo , eram tambĂ©m as roupas que indicavam na sua coceira uma origem pobre .Em redor dos olhos profundas covas de cansaço revelavam o pouco alimento e a longa viagem a que se submetera. AntagĂłnicas Ă  fragilidade da figura feminina eram as largas espĂĄduas do homem que a acompanhava. O homem do sovaco inchado pela arma , do olhar sem centelha de misericĂłrdia  oculto em negrumes de lentes espelhadas. O carro era potente , o condutor saĂ­ra rapidamente e controlara a vizinhança .Do banco de trĂĄs veio  o homem que tinha  a arma , em seguida saiu ela; hesitou, era evidente o desconforto, os derradeiros momentos de uma existĂȘncia que sĂł conhecera a decĂȘncia assolavam o rosto quase angelical. Os pĂ©s encolheram-se antes de tocar o solo, como se fossem hesitantes no inĂ­cio da sua marcha para a perdição.

ValĂ©ria era mercadoria de valor. No apartamento do rĂ©s-do-chĂŁo a mulher mais velha esperava. Os cantos da boca descaĂ­dos, os olhos vagos e cansados de milhares de carnes pagantes dentro de si , seios opulentos que mil mĂŁos de homens , ora trĂ©mulos ora vorazes de fĂȘmea , haviam esmagado . A firmeza no gesto com que recebeu o saco de viagem e empurrou ValĂ©ria para o interior do prĂ©dio marcou o territĂłrio. A mulher mais velha disse sem falar, apenas uma mĂŁo onde as unhas longas desviavam a atenção para o mindinho ausente ; uma mĂŁo que em quatro dedos disse quatro palavras silenciosas. “Vieste para ser puta”. O olhar de ValĂ©ria caiu no chĂŁo e os seus ombros esguios viraram-se para a frente como se uma vergonha de menina quisesse fazer mais pequeno o peito que alimentaria sua boca.

A  porta fechou-se com estrondo. Minutos mais tarde os tachos ecoavam na cozinha. No quarto dos fundos  ValĂ©ria soluçava contra a almofada. Foram-lhe concedidos dez minutos de carpir atĂ© que um punho fechado e braceletes iradas embateram com força na porta e chamaram para uma comida que se revelaria sem sabor e sem cuidado no preparo. ValĂ©ria comeu em silĂȘncio  ,junto Ă  janela de cozinha ; em pĂ©, aspirando baforadas de um cigarro, a mulher mais velha analisava a recĂ©m-chegada como uma vendedeira de um templo impuro. O cĂĄlculo do valor da mulher faminta era especulado pelo esgar de ganĂąncia que acompanhava os lĂĄbios pintados de escarlate. Em sussurro eslavo a mulher mais velha apercebia-se do valor da presa. Quando a refeição terminou, ainda mal o Ășltimo pedaço da carne mal assada escorrera pelo esĂłfago de ValĂ©ria, a mulher velha falou alto e exigiu a nudez total.

Um gesto de hesitação foi interrompido pela brutalidade de uma estalada e uma imposição do “JĂĄ!”.Tremendo sobre o mosaico o corpo de ValĂ©ria foi exposto. Havia no olhar da mulher velha a experiĂȘncia do apostador que mira a firmeza das patas do corcel. ValĂ©ria era puro-sangue pelo qual os mais exigentes jockeys pagariam avultadas somas. Os dedos grossos cravaram-se na firmeza da nĂĄdega, uma palma de mĂŁo, cuja a epiderme conhecia todas as variaçÔes da dimensĂŁo e vontade dos homens que iam Ă s putas , alisou o longo e escorreito cabelo de loiro genuĂ­no e avaliou o grande sucesso que ValĂ©ria teria na posição primordial , o quatro canino que a todos os clientes parece agradar apenas variando  o sitio por onde preferem a entrada . O menos comum , o dedo comprovou enquanto um grito agudo da mulher nua surpreendia-se  com a invasĂŁo Ă s suas entranhas , seria altamente valorizado , seria luxo que custaria mais que o salĂĄrio mĂ­nimo nacional. Em seguida foi ordenado que se vestisse e fosse para o quarto.

Alguns dias depois o seu primeiro cliente, um prĂłspero magnata da cidade que pagava sempre bem pelas novidades -“ Fresquinhas , gosto delas ainda limpinhas” -gritou e convulsionou-se dentro de ValĂ©ria. Os gritos ajoelhados da jovem eram da mais pura dor perante a violĂȘncia das investidas. ValĂ©ria nĂŁo desiludiu a expectativa do freguĂȘs. À noite teve direito a rancho melhorado e a um creme para as chagas.

Em muitas noites seguintes a rotina persistiu. Dois, por vezes trĂȘs clientes. Uma linha de coca ao fim da labuta, as bravatas com as outras prostitutas. Quando tinham que fazer espectĂĄculo umas com as outras eram mais generosas nas dosagens. Os clientes adoravam o frenesim do deboche. ValĂ©ria ganhou reputação. Gostou . Houve um dia em que gostou de ser puta. Do dinheiro, dos clientes mais delicados que enviavam rosas antes da sua brutalidade feita de punhos fechados .

O sangue pagava a vergonha. ValĂ©ria jĂĄ nĂŁo se lembrava do choro inicial mas era meticulosa na verificação do bom estado dos artefactos mecĂąnicos que compunham o seu circo. O nome andava nas bocas dos que podiam pagar pelo aperto e pelo chicote. As notas abundavam, as linhas tinham-se tornado intervalos cada vez mais curtos da restante existĂȘncia.
Falaram-lhe em jogos mais proibidos. Onde o dinheiro era maior, o suficiente para cobrir as profundas cicatrizes e silenciar os imensos horrores e desvios de homens poderosos. Ela disse que sim, que iria.

Então ,um dia , Valéria mergulhou em direcção a outros infernos.
Levaram-na, vendada , desconhecedora de aonde ia .As rodas do carro de luxo fizeram restolhar a gravilha de um lugar que era covil de prazeres dos homens que nĂŁo o deviam ter.

Num acto de doutrina veio um alto dignitĂĄrio da igreja lutar pela alma de ValĂ©ria e de outra rapariga. Benzeu-as com o mel sagrado do seu falo depois de o chicote ter punido o herege espectĂĄculo lĂ©sbico com que sua eminĂȘncia havia sido agraciada.
Num segundo acesso de fé recordou, o santo homem, as lides de outros tempos. Na posição que a fizera famosa Valéria sufocou perante a asfixia das pedras do rosårio. A língua roxa pendeu para um dos lados. Por detrås do rosto onde os olhos azuis quase saltavam das órbitas o homem da batina abençoava-se em espasmos que acompanhavam o estertor final de Valéria.



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Marco Pinto Correia

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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Maio 03, 2009, 20:24:07 »

Mistura indigesta e horrorosa, um conto de desatinos execrĂĄveis escrito no melhor estilo!
Beijo
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Goretidias

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damasco
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Frase Ă© uma palavra. Palavra nĂŁo Ă© uma frase.


« Responder #2 em: Maio 11, 2009, 10:56:38 »

Apre. Raios. Isto Ă© muito bom.
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marcopintoc
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« Responder #3 em: Maio 11, 2009, 13:53:49 »

Muito grato pela vossa leitura da ascensão e sufoco de Valéria
Abraço
Marco
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FĂĄbio Videira Santos
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« Responder #4 em: Maio 26, 2009, 17:03:57 »

Uma prosa cheia de dissecaçÔes.
E que o inferno, a existir, talvez sejamos nĂłs a amparar-lhe os alicerces.
Numa sociedade também ela, por vezes, prostrada pelo seu próprio peso.


abraço,
fvs
« Última modificação: Maio 26, 2009, 17:23:20 por FĂĄbio Videira Santos » Registado
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« Responder #5 em: Maio 26, 2009, 19:49:31 »

Muitas vezes torna-se difĂ­cil, quase impossĂ­vel,  colocar-se na pele de outrem, a fim de que os atos, os fatos, as crenças, sejam justificados,  por qualquer raciocĂ­nio plausĂ­vel.
Resta-nos uma explicação possĂ­vel. Da extrema sordidez que se torna rotina e nos estremece de pavor, causando admiração pelo texto, pela descrição e pela quantidade de detalhes.  O horror tambĂ©m atrai. E hĂĄ que ser mestre para isso. Meus parabĂ©ns.
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DionĂ­sio Dinis
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« Responder #6 em: Maio 26, 2009, 20:25:56 »

Duro e glacial. Um portento de bom prosear a toda Ă  prova!
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Pensar amar-te, é ter o acto na palavra e o coração no corpo inteiro.
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Vanda Paz
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« Responder #7 em: Maio 26, 2009, 23:02:57 »

Ă© sempre um prazer ler-te

Beijinho
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Vanda Paz
marcopintoc
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« Responder #8 em: Junho 05, 2009, 13:53:15 »

Muito grato pela leitura e comentĂĄrio.
JĂșlio , o tempo virĂĄ. Creio nisso. Com uma certeza imensa
Abraço
Marco
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Partilhar Ă© bom! Partilhem leituras, comentĂĄrios e amizades. Faz bem Ă  alma.
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Boas leituras!
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Boa noite!
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Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mĂȘs de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cĂłpias de algum material que nĂŁo tenham guardado em meios pessoais. NĂŁo estĂĄ previsto perder-se nada, mas poderĂĄ acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
OlĂĄ! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa semana para todos.
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