Ant贸nio L贸io
Contribuinte Activo
Offline
Sexo:
Mensagens: 1909 Convidados: 0
Quanto menos penso mais existo
|
|
« em: Dezembro 21, 2010, 22:20:47 » |
|
O meu Natal de 50
Por entre o ru铆do e a az谩fama que invadia a minha rua naqueles anos p贸s guerra, de vez em quando ouvia-se o rufar dos tambores que anunciavam a chegada da troupe, que instalava num repente o teatro de fantoches a que n贸s cham谩vamos Robertos. Em tropel, a miudagem do pr茅dio descia as escadas em busca do melhor lugar para assistir 脿s tremendas cacetadas com que o diabo era brindado e que faziam rir crian莽as e adultos at茅 mais n茫o poder. A velha saga entre os bons e os maus, inspirava o di谩logo que os dois actores protagonizavam, como vindas dos 鈥淩obertos鈥. Um, o vingador, armado dum varapau. O outro, um coitadinho, vigarizado pelo mafarrico que com a cabe莽a pintada de vermelho, onde eram not贸rias as mazelas de tanta bordoada, era o bombo da festa! O pano de riscado que formava o pequen铆ssimo recinto quadrado ia ondulando numa agita莽茫o crescente, 脿 medida que a ac莽茫o se desenrolava. De l谩 de dentro provinham as vozes soando a falsete, que constitu铆am os pobres di谩logos da ac莽茫o. C谩 fora um velho rafeiro branco e preto de olhar triste, que fazia companhia a uma pequena caixa de cart茫o onde se iam amontoando algumas moedas, completava o quadro. Em dez minutos tudo acabava e o pequeno grupo de transeuntes dispersava. Os mi煤dos, antes de regressar a casa, aproveitavam a ocasi茫o para trocar os repetidos da colec莽茫o de jogadores e mostrar os 煤ltimos dinky toys. Estes pequenos autom贸veis, nascidos vinte anos antes e r茅plicas perfeitas dos verdadeiros, custavam uma fortuna que o meu mealheiro de barro n茫o comportava. O meu patamar de ambi莽玫es, deslizava para os carrinhos de pl谩stico amarelos com rodas pretas que o Jo茫o, um mi煤do pouco mais velho que eu, apregoava, rua abaixo e que custavam cinco croas. Os dezasseis tost玫es que lucrara no pres茅pio sanjoanino ap贸s a compra do camelo do Rei Mago eram insuficientes para comprar o carrinho amarelo de rodas pretas, que povoava os meus sonhos. Apesar das sucessivas abordagens, mendigando mais uns tost玫es aos meus av贸s e restante fam铆lia, o objectivo que ocupava inteiramente a minha mente de mi煤do de 6 anos, nunca passou dum sonho inalcan莽谩vel. Os meses foram passando e as flores das sardinheiras que enfeitavam as varandas da minha rua foram murchando, anunciando o Inverno. Aos meus ouvidos, de quando em vez, chegavam os ecos do preg茫o do Jo茫o que continuava a vender os carrinhos amarelos com rodas pretas. Eram t茫o pequenos que mal os distinguia do alto da varanda do terceiro andar. Aquele Natal de 50 finalmente chegara e com ele a 谩rvore de Natal, onde peda莽os de algod茫o imitavam a neve, no meio das bolas de vidro coloridas. Na cozinha a az谩fama convertia-se em doces e rabanadas com que me lambuzava.
Como em todos os Natais, no fim da ceia, o meu pai, disfar莽adamente puxava o cordel que fazia soar uma sineta na cozinha. Nessa noite, num misto de receio e curiosidade aproximei-me do fog茫o e de olhos arregalados contemplei por entre os pap茅is coloridos e la莽arotes que cobriam o velho fog茫o a lenha, um pequeno embrulho, que mal cabia no meu sapatinho e que freneticamente desembrulhei. L谩 estava ele, novo e brilhante, na sua garagem de celofane.
O pequeno Bugatti da dinky toys que repousa ao lado do meu computador enquanto alinhavo estas linhas e que me acompanhou nesta viagem pela vida, ora na sacola da escola, ora no bolso da farda camuflada pelas savanas de 脕frica, e que viu crescer as minhas filhas, materializou o sonho duma crian莽a naquele Natal de 50.
Ah....e o carrinho amarelo de rodas pretas? Quando finalmente juntei os vinte e cinco tost玫es, o Jo茫o desaparecera da minha rua, mas o carrinho amarelo de rodas pretas, esse, ... ainda povoa os meus sonhos!
Le莽a da Palmeira, Dez潞 de 2010 Tom
|