marcopintoc
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« em: Maio 24, 2011, 21:32:29 » |
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Inspirando as fragrâncias dos fumos sagrados de Quibir, olhos cerrados nas lágrimas da derrota. Valorosos cavaleiros tombados ao devaneio de um imberbe governante. Fortes gentes dizimadas, gritos de São Jorge, pela mãe que está lá tão longe, debandada na areia escaldante. Pela cimitarra passaram, um por um , até só restar aquele que traria as novas da grande desgraça que se abatera sobre o Reino de Portugal e dos Algarves .
Séculos após a vergonha retorna, desviai vossos olhos senhores de Avis e Bragança . A profecia da fome e morte que o frade louco proferiu na ermida onde as cruzes se inverteram chega hoje. Correm demónios pelos caminhos e as veredas, arautos de um Adamastor vingativo ecoam as trombetas do castigo daqueles que se esqueceram do mar. Para seu grande castigo, o peso da terra europeia pune seu piáculo . Das profundezas PoseÃdon chama à s suas vagas os seus , os homens que rasgavam a crista do oceano em seus hábeis navios. Seu único remendo, com os filhos a morrerem de uma fome que oficialmente não existe, é ir buscar à s redes o saciar dos seus. Apertam-se gorros, afagam-se as mãos e bebe-se algo que traga calor e mande embora o medo daquele ventos frios que dançam sobre as águas chamando a si para o descanso azul dos afogados. Pés descalços na areia, mulheres de negro acenam na praia. Trinam as primeiras notas do fado negro do sangue.
Na cidade que recebia, com um sorriso da sua luz única, as especiarias vindas das Ãndias sombras negras enchem o rosto dos homens, enchem-se de novo os balcões das tabernas .Dos estômagos vazios e cabeças confusas nascem rixas que a navalha resolve. Do alto do castelo Satanás chama o ódio , vingança , obscuros tempos de humilhação de um povo.
Mulheres velhas colocam xailes de fadista e cortam os pulsos escutando a imortal voz de Amália , apartamentos velhos e carcomidos ganham o último silêncio . Na cadeira dourada jaz, olhos incrédulos a um fim tão lento. Sobre a renda que cobre a mesa escorre, negro ,o sangue ;nas águas livres estremece a guitarra que já não quer chorar baixinho.
Do Tejo levanta-se uma bruma que o orgulho dos antepassados enviou e traz nos seus farrapos fantasmagóricos o cheiro das mulheres frescas dos outros oceanos e o calor da aguardente que afoga o pavor e o escorbuto. Nos apartamentos tremem as janelas como em cinquenta e cinco de setecentos , pânico , passos apressados correm as calçadas de Lisboa , carros colidem em série nas avenidas apinhadas , no solo as frinchas reclamam as suas primeiras vitimas , mandÃbulas de vulcano engolem grande parte da Baixa Pombalina . De uma voz que quase se esquecera de ecoar o pregão grita-se a plenos pulmões
Ao rio , ao mar , ventos lestos levem-nos de volta à rota da nossa glória.
Aos barcos que já não navegam o Tejo , desmantelados os mensageiros da nossa memória por agiotas de terra firme , negro fado que nos exiges o sangue. As guitarras trinam no aço que já não se forja , o vento procura enfunar as velas que se tornaram lençóis de homens sujos e a sua fúria traz a voz de trovão. Sonata negra que demanda nossa submissão.
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