Tere Tavares
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« em: Maio 29, 2014, 23:44:57 » |
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Porque o amor era profundo e a luz era cheia
Atravessou o dia sem que o tumulto o ferisse. Quando venceu a última alameda reforçou a certeza de haver forjado algo mais que uma simples defesa. Fosse de si mesmo, fosse dos grupos que, invariavelmente, se postavam num ponto qualquer do trajeto quiçá para arrebanhar futuros furtos ou consumidores potenciais de mercadorias ilÃcitas – novas vÃtimas.
Tinha o resto da tarde livre. Passou pelo portão eletrônico. Desceu do carro, ligou os alarmes. Acelerou os passos para entrar em casa. Sentia-se protegido ali no seu pequeno sÃmbolo de bem estar, ainda que angustiosamente.
Ao chegar à sala viu-a no alto da escada, ignorava se frustrada ou feliz. Parecia calma e convidativa. Diferente dos outros dias, não indagou “porque veio mais cedo hojeâ€. As cortinas estavam semi-abertas e ainda filtravam das janelas os apegos diurnos.
Ela sentou em silêncio no último degrau. Descalça, descansada. O emprego se fora há dois meses. Não suportou a idéia de que lhe dissessem sempre o que abordar, quando e o que compor – coisas a que nenhuma criatividade, por mais versátil que seja, deixa de sucumbir. Faria o curso tão sonhado com a bolsa de estudos que conquistara com tanto esforço. Já dominava um terceiro idioma. Finalmente o antigo projeto redesenhava-se. Ainda não lhe dissera sobre isso. Ultimamente seu interior parecia maior e mais intransponÃvel do que qualquer outro lugar. Olhou-o como se não o visse há muito tempo. Os cabelos lisos e bem cortados. O corpo bem feito, jovem como o seu. Com sonhos? Era distante a última vez em que se lembrava haver lhe dito que o amava. A recÃproca não era verdadeira.
“Estou aqui imaginando qual a melhor forma de te tocarâ€, inclinou-se segurando o violino numa fatigada esperança. Nem menos árduo nem menos belo do que sempre fora. Ela pousou a cabeça no seu braço. Sentiu o calor suave da sua presença. Havia algo nele que a iluminava. E ele sabia. Como se ela fosse todas as estrelas e o sol.
Para uma luz que acalenta outra luz nem mesmo o silêncio da música que anseia nascer parecerá opaco. Entre um perfil e uma face há bem mais que um simples testemunho. Não era preciso quebrar o encanto daquela plenitude com nenhuma palavra ou gesto.
Ele não resistiu. “Eu sempre soube quando partias.†Escutou-o sem nenhum sobressalto. Ela balbuciou tepidamente a única dignidade que imaginava restar-lhe para calar o vazio que viria em seguida. “Nunca o fiz sem levar-te comigo.â€
do livro "Entre as Ãguas" By Tere Tavares
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