Palavras Tristes
...de censura
Embora eu saiba que poucos são ainda os que podem ouvir-me
e que a minha linguagem
demasiado clara e precisa
não soa bem a ouvidos habituados
às prédicas da missa dominical.
Embora eu saiba que aqueles que me ouvem
não são agora aqueles a quem me dirijo
não quero deixar sem uma palavra de censura
os miseráveis caluniadores do homem.
Miseráveis de miséria digo eu
que compaixão
é o pior sentimento
que me inspiram.
Ouvi-os para vos rirdes deles
se fordes fortes.
Dizem : O homem é um verme
um grão de areia
na imensidade do mundo
como quem se conhece bem.
Mas que sabem eles do homem
do homem que é o único ser que diz "PORQUÊ"
e "EU"- Ó Nietzsche ?.
Que sabem eles do homem
seres hÃbridos e degenerados
filhos de uma cadela
que renunciou ao sagrado direito
-sagrado quer dizer intangÃvel, humano-
de perguntar ?
Que sabem eles do homem ?
Do que eles sabem
é de uma espécie de fantoche complacente
a quem impuseram todas as suas mesquinha virtudes
e a quem chamam de deus
e adoram e insultam
com o maior descaramento.
Dizem :
Nada valemos sem ele
aquilo que somos a ele o devemos.
O que eles são !
Infames !
Que as minhas lágrimas sejam para eles
fogo de pura e destruição
e darei mil vezes por bem empregadas
as lágrimas que choro por eles.
Por tão bem empregadas
como as que chorou
de sangue, dizem
um homem no Monte das Oliveiras .
E mataram-no
pois não haviam de matar ?
E matar-me-hão a mim
nas suas vis consciências.
Matam-no e depois
depois...ó tende ânimo
Para se rirem dele
para o escarnecerem
usaram-lhe o nome como sÃmbolo
e em seu nome praticaram
os crimes mais hediondos
contra a humanidade
-pois não se fizeram guerras
em nome de Cristo ?-.
Infames
Quer o desespero que se desprende de mim
só de pensar-los
lhes cubra de amarelo os rostos vis
para que todos possam reconhece-los
e aponta-los : Olhai os criminosos .
Desculpai vós os de espÃritos limpos
e cheios de interrogações para os mistérios do mundo
vós os que procurais um deus
para lhe entregardes o vosso amor consciente
e a quem ainda não ousastes imaginar as virtudes
mas de quem sonhais envergonhados
-ó envergonhados como se houvésseis sonhado
que haveis matado o vosso pai -
que será forte e sereno
e puro como o olhar de uma criança surda
e virá para vos dar confiança
nas vossas humanas possibilidades .
Desculpai.
Talvez eu tenha perdido a serenidade
que todos tendes o direito de exigir de um vosso irmão .
Talvez até, algum de vós
me tenha pensado capaz de ódio
e muito parecido com eles
-antes queria que me matassem-.
Desculpai mas ferve-me o sangue
quando o sangue me sobe ao pensamento
e penso neles.
Mas se da minha boca saem palavras duras
vós bem sabeis como elas são
a expressão do meu amor .
Amargas, ó amargas são as minhas lágrimas
mas se elas forem para eles
fogo de pureza e destruição
mil vezes as darei por bem empregadas.
Geraldes de Carvalho
"a outra luta de Jacob" Beira (Moçambique) 1964