Djabal
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« em: Agosto 15, 2008, 12:18:31 » |
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Estou ‘mei que’ de paciência estourada. Saúde debilitada. FÃsica e mental. Procuro abrigo nos sonhos. Junto meus pedaços, tento fazer um roteiro compreensÃvel dos meus dias. Para tanto, deixo suavemente de meu corpo, e assim relato o presenciado por ele em alguns momentos em que se pensava acordado: Conversa com a namorada: “Fiquei tão feliz ao saber que sua raiva passou. Agora as coisas andarão. Você verá. Eu não tenho raiva, tenho angústia, quero ficar mirando o nada. Olhando pro céu. ImpossÃvel e impassÃvel.†(Não consigo. Não há céu, não há brigadeiro em Sampa, há cinza. Escuro. Burro. E humanos. O máximo da razão inteligente e conhecedora conseguiu foi isso: Guerra. Morte. Liberalismo. Nomes. Conseguiu denominar. Homens tornando-se mulheres para ganhar competições, ou vice-versa; desde que não seja vice. Tomando banho de gelo para nadar mais rápido. Urrando feito urso para pendurar uma caçoleta no peito nu e sem pêlos. Ou atirá-la no chão por bronze. Tudo tão banal. Triste repetitivo. Um eterno outono melancólico do Rubem Braga. No Brasil as estações se instalam no interior do ser. Exteriormente nem sabemos quando começa e quando termina uma estação. É sempre verão. As estações estão na alma da gente.) Desliga o telefone. Ouve uma palestra: de um escritor tomado pelo espÃrito de Kafka, oitenta anos após a sua morte sentiu - se como se fosse ele, encontrou-se inteiramente nas suas narrativas de um deslocado integral, genuÃno. Acordou Kafka. Na audiência alguém disse: “Você é a cara do Donald Sutherland em 1900.†Franz olhou totalmente desconcertado - desconfortável – ainda encontrou um resto de fôlego para responder: “Já me disseram que pareço mesmo, porém com o Kiefer, filho dele.†Havia recusado uma aguardente húngara de ameixa, oferecida como sinal de boas vindas; estava sob efeito de medicamentos, explicou. Agora pediu ao anfitrião que o servisse de um cálice. “Afinal de contas, dane-se o medicamento†- comentou embaraçado, atarantado. Confessou-se atônito. Receber um rótulo, assim de pronto. Ele não estava preparado para isso. Foi brutalmente catalogado, incluÃdo num escaninho desconhecido. Humano, ah o humano. Abandono o recinto, após ouvir indisciplinada e atentamente ao espÃrito recidivo do infeliz boêmio e me recolho. Lembro da história contada dos momentos em que o espÃrito de Omar ben Ibrahim nascido na Pérsia volta em outro, sete séculos depois, nascido na Inglaterra e chamada Edward Fitzgerald. E faço meus votos para que isso, novamente, tenha acontecido com esses dois: Joseph K e o professor Viroso. Acordo. Procuro meu melhor amigo. Hoje ele não veio. Dei por ele, no estrangeiro, ao ouvir um canto diferente. Algo me incomodou durante toda a viagem. Não sabia o que ou quem era. Descobri agora ao voltar à rotina. Estou enamorado pelo som, voz, canto de um pássaro. Não consigo saber o nome desse meu companheiro diário desde as quatro horas de toda manhã. Acorda sempre uma hora depois de mim. Ele vem à mata aqui ao lado e canta. Alto, estentóreo, ritmado; sei que não é grande, a voz é forte, mas aguda e os meus sentidos indicam um ser miúdo e livre. Ritmado sem ser monótono. O fragor da araponga, por exemplo, é conhecido como um martelo na bigorna; mas esse tem melodia, é fulgurante. A seqüência das notas tem esplendor e beleza, tem liberdade e autonomia. Sei que não é sabiá, sei que não é bem-te-vi. Tem uma melodia composta de algumas notas, pontual, não é tampouco um João-teneném ele não diz ‘bemtereré’, tampouco é uma maitaca com sua voz coletiva. Ele é único, solo, soprano. Estou cismado que é um cuco. Folheio um livro das aves que habitam a nossa grande pequena capital. Fotos de todos. Descrições. Separações entre os machos e fêmeas. Tamanhos. Mas nem todos têm o seu canto gravado ou descrito. Será que com eles acontece como os humanos? A sua voz não importa. Não é suficientemente diferente, autêntica, bela para ser reproduzida ou mencionada. Não tenho chance de ser um ‘pavó’ e seu ‘buuuuu-buuuu’ caracterÃstico; talvez um parvo cujo canto seja ouvido só de muito perto? A leitura me anima, tenho uma palmeira próxima, e cuco se alimenta do buriti. Não. Infelizmente o último registro data de noventa e três no extremo nordeste do estado, está ameaçado de extinção, pela destruição do seu ambiente; vive em grupos no Bacurizal. (Lembro de ter ouvido médico o seguinte; “Afinal de contas a motilidade e o sexo não são tudo na vidaâ€.) Se eu fosse um pássaro estaria reduzido a recolher insetos que passam por perto, como o arapaçu, entretanto sentindo o sabor da vida escoando e com alguma emoção presenciaria o momento. Viveria de colecioná-los. Colando-os num álbum chamado memória. Achei. “Ferreirinho-de-cara-canela – Poecilotriccus plumbeiceps ou Todirostrum plumbeiceps. Ao contrário do Relógio (todirostrum cinereum) esta espécie está restrita à s áreas de mata, sendo mais abundante em florestas perturbadas. Vive escondida no meio da ramaria, a pouca altura do solo. É de difÃcil observação, no entanto sua presença na área é facilmente detectada por meio de sua vocalização, constituÃda de chamadas curtas e rápidas ‘prru,pruu’; pode criar filhote de Peixe-frito-voador, uma ave da mesma famÃlia dos chupins que pesa quando adulto 8 vezes mais do que ele.†É isso aÃ. Segura a onda. Estou surfando. Ouvindo Channels and Winds com Philip Glass e Ravi Shankar, deitado numa banheira olhando detidamente para a imagem da luz sobre a água quente que balança no mesmo ritmo da música. Desperto cansado de carregar o meu anu preto com oito vezes mais problemas que eu. Confesso que meu amigo poderá ser outro. Fiquei encantado e dominado pela descrição vÃvida. Não tenho mais tempo disponÃvel para nada, a não ser encontrá-lo.
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