Pedro Ventura
Membro
Offline
Sexo:
Mensagens: 148 Convidados: 0
|
|
« em: Agosto 09, 2008, 13:51:25 » |
|
(Pivot do telejornal da estação TVInfeliz)
- Boa noite! Abrimos este boletim informativo com uma notícia de última hora que chegou aqui à nossa redacção e que dá conta de quatro indivíduos encapuzados que se barricaram numa das maiores lojas de música da capital fazendo como reféns cerca de doze pessoas que se encontravam dentro da mesma. Neste momento, encaminha-se para o local um repórter que nos dará conta dos últimos acontecimentos. Sempre que se justificar, voltaremos a retomar esta notícia, que está a deixar a chusma de populares daquela movimentada rua, apreensivos.
(Passado quinze minutos, e depois da pivot ter pronunciado mais algumas desgraças do país e do mundo, mortos americanos no mercado do Bolhão, furacões nórdicos que se passeiam nas praias e discotecas algarvias, a visita do Sumo Pontífice aos Pastéis de Belém, a derrota do Freixeda Futebol Clube em casa, perante o seu público de duas dezenas de pessoas, uma das melhores casas da época, o habitual…)
- Retomando agora a notícia de abertura, vamos em directo para o local onde se encontram barricados os quatro indivíduos encapuzados numa das maiores lojas de música da capital… Diogo Candelabro, já tens mais algumas informações sobre o incidente? - Boa noite Clara! Neste momento já conseguimos recolher informações bastante mais precisas do que se está aqui a passar no local… Sabe-se que os quatro indivíduos estão armados de muita música, que pegaram em algumas guitarras Fender Stratocaster e Gibson Les Paul e já ligaram alguns amplificadores Vox e Orange; experimentaram uma bateria Tama mas não gostaram e trocaram por uma Pearl, e que já fizeram o check sound. Ao que parece, trata-se de uma banda de rock que quer mostrar a música que fazem na sua garagem… Agentes da PSP e da Polícia Judiciária já se encontram aqui no local, incluindo um negociador que vai tentar resolver a situação sem que se chegue a extremos, sem que não se derrame qualquer nota musical de gosto duvidoso… As forças da ordem montaram um perímetro de segurança de cinquenta metros para que reinasse a ordem no local das operações. - Diogo, já houve qualquer tipo de revindicação por parte dos indivíduos? - Sim, ao que parece exigem a presença no local dos empresários da industria discográfica, das editoras multinacionais… - E os reféns? Sabes se já houve qualquer tipo de ameaça? - Sim, já houve a ameaça de tocarem músicas do João Pedro Pais e do André Sardet, caso haja qualquer tipo de intenção de fuga por parte dos reféns que se encontram lá dentro… Mas parece estar tudo calmo até agora… Espera! Pelo barulho, parece começam neste momento a soar os primeiros acordes, ao mesmo tempo que chegam aqui ao local, em carros de alta cilindrada, alguns empresários da indústria discográfica… - Já se consegue definir o tipo de rock que praticam, Diogo? - Pelo que me chega aos ouvidos, e do pouco que ainda ouvi, soa-me a uma espécie de Indie Rock, com guitarras deveras melodiosas, baixos corridos e vincados, e uma voz que tem tudo para vingar em qualquer parte do globo. Adianto também, que cantam num inglês escorreito, que estou a gostar bastante e que as minhas pernas começam a ganhar balanço sem que eu tenha controlo sobre elas…
(Nesta altura também o repórter de imagem, João Salpicos, começa a menear o corpo e a câmara, não se consegue fixar num ponto preciso. Os populares começam a ficar inebriados com a música que ouvem. Crianças, adolescentes, idosos, agentes da PSP e da Polícia Judiciária, todos dançam. Entre toda aquela gente, sobressai um agente de intervenção da PSP, daqueles que têm um bastão que vai da cintura até à canela, capacete com pala, o qual já tirou da cabeça, e que balança o corpo fardado de uma forma efeminada e faz olhinhos a um colega de farto bigode. Há gente nas varandas, em cima de contentores do lixo, nos postes de electricidade, dentro dos carros que pararam o trânsito. Depressa, apareceram, como saídas debaixo do chão, barracas de cerveja e cachorros quentes)
- Aproveito agora que acabou a primeira música, para sondar algumas reacções dos populares que por aqui se encontram e vou entrevistar uma senhora, que dança tão desprendidamente como uma jovem de vinte anos com o efeito de quatro vodkas… Boa noite minha senhora, estamos em directo para a TVInfeliz… Como se chama? - Maria Twist! - Está a gostar?
(A imagem da senhora só aparecia de quando em quando visto repórter de imagem também dançar) - Isto está uma loucura, já não dançava assim desde que meti a prótese na anca, até me esqueço da minha osteoporose… - Acha que estes rapazes têm futuro? - Claro que sim! Que pergunta tão absurda!.. Mas não me faça mais perguntas agora que eu quero dançar… É pena o meu falecido não estar aqui… - Como vês Clara, o ambiente aqui é de festa… - Diogo Candelabro, já voltaremos para mais motivos de reportagem, ou quiçá para o desfecho deste caso insólito. Diverte-te e não bebas muito…
(A pivot para o público em casa)
- Sempre que se justificar interromperemos a emissão para regressarmos a esta ocorrência. Por agora é tudo, boa noite!
(Vinte minutos de anúncios publicitários, e começa a novela “SOMOS BUÉ GIROS DE CABELOS À MODA”. A meio da novela, aquando ia haver uma declaração bombástica de amor entre um personagem e um cão, que por sinal já tinha sido detective numa outra série da mesma estação televisiva, a emissão é interrompida)
(A mesma pivot da TVInfeliz)
- Interrompemos a emissão para voltarmos em directo ao local onde se encontram barricados os quatro indivíduos encapuzados numa das maiores lojas de música da capital… Como está isso por aí, Diogo Candelabro?
(O repórter já está ébrio e pega no microfone com uma mão e com a outra um copo de plástico com cerveja)
- É com muita pena minha, e dos populares que se encontram por aqui que digo que o concerto acabou. As últimas palavras do vocalista da banda foram: “Viemos encapuzados para provar que não é meio palmo de cara bonita que importa para se vingar no meio musical, mas sim o conteúdo”. Neste momento saem, de cara descoberta, ao colo de meia dúzia de agentes com um sorriso escancarado, e são encaminhados para a carrinha azul da PSP. Os reféns saem agora, um a um, e nas suas feições vislumbra-se o gáudio de quem acabou de assistir a um concerto da sua banda predilecta em cima do palco. Como podes ouvir Clara, o barulho aqui é ensurdecedor. Não houve encore e os populares estão indignados e começam agora a dispersar. Parece que por aqui não há mais motivos de reportagem… Vou ver se ainda bebo mais uma cerveja…
(A carrinha da PSP levou os quatro rapazes para serem ouvidos. As barracas da cerveja e dos cachorros quentes desapareceram como apareceram, num ápice. Os carros começaram a rolar, a rua ficou deserta, tudo voltou à normalidade. Os quatro rapazes foram ouvidos e julgados no dia seguinte perante um juiz que era fanático pelos Stones e foram presos. Ainda assim, com uma pena bastante mais reduzida. Neste momento têm uma carreira de sucesso. Tocam à quinta na Prisão de Pinheiro da Cruz, à sexta e ao sábado na prisão de Custóias e o seu agente está a arranjar uma digressão pelas prisões do país e pela Europa. Depois, quiçá, o mundo)
2007
|