O homem que numerava páginas.

[Tim_booth]

O homem que numerava páginas estava sentado num banco, desses de metal frio porque o homem que numerava páginas era muito particular com as suas fontes de calor.
O homem que numerava páginas esperava, no tal banco de metal, sozinho, sem se saber pelo quê, por quem ou porque altura e, enquanto esperava, o homem que numerava páginas numerava cuidadosamente as páginas amareladas no canto exterior do caderno.
O homem que numerava páginas numerava páginas em branco, se em branco se pode dizer de folhas quadriculadas naturalmente amarelecidas, se por branco se diz sem nada nelas escrito que já não viesse desenhado de fábrica.
O homem que numerava páginas, sozinho, páginas em branco, como se esperasse que delas surgissem automaticamente as palavras que esperava que estivessem a ser previamente numeradas.
O homem que numerava páginas saiu. Não escreveu. Apenas numerou páginas.

_{Escrito originalmente aqui.}

[vitor]

Muito interessante, abraço
vbs

[Djabal]

Essa é a sabedoria dele, nunca dizer nada. Nunca. Nada. Falamos nós. Poucas vezes bem. Um grande abraço.

[Tim_booth]

Vítor, muito obrigado pelo seu comentário!

Djabal, é como se diz por cá, quando estás calado fazes um discurso lindo! Este é quando não escreve...

Não se vê pela minha imagem de apresentação Laura?

[Mel de Carvalho]

Tim, fez-me reflectir. Se um dia me chegasse às mãos um livro apenas com as páginas numeradas e me fosse dito que era uma obra ímpar, provavelmente acharia que estava louca. Testaria métodos de revelação da alma do escritor, métodos químicos ou os artesanais de revelar a limão ... sei lá.

O "homem que numerava páginas" deixou espaço à minha imaginação ...

Grande abraço.

[Tim_booth]

Aproveita a imaginação Mel... estamos aqui para a receber... Obrigado pelo belo comentário

Cheers

[Mel de Carvalho]

Tim, a minha "imaginação" esta semana tem andado a carvão ... a sério. Uns poemitas curtos, outros do baú, só mesmo para não deixar de estar presente.
Mas adoro ler-vos e nem isso tenho feito, pelas razões que sabem.

Abraço

[Tim_booth]

De certeza que vai espevitar Mel, as vezes anda mais lento mas isso passa.

Cheers

[cleo]

O homem que numerava páginas
Fazia-o em silêncio
Sentado naquele banco duro e frio
Alheio a tudo em seu redor
Apenas as páginas em branco
Lhe captavam toda a atenção...
Fazia-o em silêncio
Número atrás de número
De folha atrás de folha
Afastando o tédio
Na pacatez dos dias
Da sua infindável e triste solidão...

Beijo

[britoribeiro]

O vazio de um livro em branco, números seguidos, página a página...

Abraço

[Tim_booth]

Muito obrigado pelo belo poema Cleo!

Brito, os livros ficam em branco até alguém os desposar do vazio... Obrigado pelo comentário!

Dite: as palavras vão enchendo os quadrados, mas duvido que o façam brilhantemente...

Obrigado a todos pelos simpáticos comentários.

Cheers

[Goreti Dias]

Como à espera que alguém preenchesse cada uma delas de vida! Um belo pedaço de prosa!
Bjs

[Tim_booth]

Ou que deixasse de ser preciso numerar as páginas... Obrigado pelo comentário Goreti!

Cheers

[Tim_booth]

Eu foi porque me habituei, quando comecei a comprar Moleskines só encontrava quadriculados, agora só consigo escrever nestes...

Cheers

[Guacira]

Olá, Tim,

instigante! você gosta disso...(risos)
Tenho um poema em que falo " nada escrevi nas páginas em branco da minha tentativa..."  Aliás, acho que o perdi num pen drive que foi danificado por virus.
Abraço,
Guacira.

[Tim_booth]

Oh Guacira, agora fiquei com curiosidade para ver esse poema... Que tal tentar reescrevê-lo?

[Guacira]

Tim, impossível! não consigo reeditar nada.
Mas, como adoro escrever à mão, vou dar uma busca em minhas montanhas de papéis...quem sabe o encontro?
Um abraço,
Guacira.

[Tim_booth]

Guacira, faça isso que eu quero ver!


Luís Filipe Pereira, se já me sentia elogiado quando disse que gostava do conto (que será provavelmente alvo de uma revisão e expansão em breve), mais me senti ainda quando li que lhe evoquei José Cardoso Pires, saudoso homem que há já dez anos nos deixou, que é um dos meus autores favoritos e provavelmente um dos que mais influência o meu estilo de escrita.

Realmente este homem que numerava páginas numerava não apenas para as numerar mas, tal como o condenado que dobrou a página do livro, para um dia continuar, talvez a fazer mais do que apenas numerá-las.

Muito obrigado pelo apreciação atenta LFP,

Cheers