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Autor Tópico: Continuação de Algo - Sobre Algo  (Lida 1889 vezes)
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pedrojorge
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« em: Outubro 03, 2008, 20:36:01 »

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Simplifico o discurso a contar sobre o que era viver à hippie e escolher vários estilos de vida. Conto isto porque ninguém irá ler. Conto isto porque desembuchar para o vazio não tem efeitos secundários, nem ecos, nem ruídos.
Era uma vida minha, livre, aprendi com a família. A minha madrinha gostava de viajar de autocarro e passear por alguns sítios do mundo numa perspectiva de se encontrar com amigos, fosse onde fosse, soubesse alguém de perto ou não. Era uma forma de ver a vida, viver não para que os vizinhos soubessem de nós de modo a subirmos na hierarquia social, era um desdenho de ver as cores do planeta, a costa do Brasil, São Paulo, uma sociedade desorganizada cuja lei do dia-a-dia era a dos mais forte numa década de 80 que reconstruía a sociedade moderna sem perceber das normas que no futuro seriam visões aceites de forma Universal e que marginalizavam os poucos que sustinham as ideias criadoras, as raízes com a origem do mundo actual, a era moderna suspensa numa jangada de troncos bem amarrados.
Lá com ela aprendi, porque foi ela que me ensinou bastante nos primeiros dois anos de vida, já que os meus pais eram pessoas ocupadas e acabavam de descobrir o mundo Lisboeta, a promissora fonte de rendimento que assegurava uma continuidade tanto na alimentação como nos bens mínimos. Lá conheci alguns amigos, o Tiago, o Ricardo, a Filipa, a Susana, a Ana Sofia, uns afilhados dos meus pais cujo nome esqueci, uns afilhados da minha madrinha, a prima Vera cujo pai morreu de acidente de mota lá pelas Áfricas. Vivia numa casa a abarrotar de suspense, dos meus avós, porque a minha madrinha era solteira. Ouvia as histórias do meu avô, até bem mais tarde, em Lisboa, nas vendas do meu pai, pelo antigo Areeiro de barracas que foram alagadas no tempo do João Soares, na altura da Expo 98. Ouvia a minha avó e as velhotas, uma delas que adivinhou a minha data de nascimento, que seria na data de nascimento dela, a ti Mila. Tinha lá a minha bisavó que faleceu quase aos 100, isto tudo no meio da Serra, para os lados de Porto de Mós, São Bento, Covão do Sabugueiro, perto das grutas da Serra de Santo António e Alvados, num mundo místico em que os muros que dividem terras são formados por blocos de pedra deformada.
Além dessas pessoas lá conhecia a arte do fazer o queijo fresco e de ordenhar as vacas, de as pôr a pastar, e cheguei a ir vendê-los com a minha Madrinha, pois, não obstante, passei lá muito tempo também durante as férias além dos primeiros anos de vida, quando os meus pais me deixavam para tomar conta. Com ela ia vender ovos e queijos, conhecer as antigas vendas do meu pai, pelos lados de Minde, Mira de Aire, Santarém, Cartaxo, Vila Franca de Xira, Alpiarça, Almeirim, Arruda, Alcanena, Amiais de Baixo e muitas outras bandas de pequenas terriolas, vendas essas que mais tarde voltei a fazer com o meu pai quando a minha madrinha teve a minha prima Ana e posteriormente o meu primo Guilherme. Dessa vez achei muito interessante porque além de estar a reencontrar os clientes que conheci com a minha madrinha, eles estavam a reencontrar o meu pai que aproveitava para reencontrar a vida que teve desde os 10 anos, o estilo de vida de vender para sobreviver e procurar negócios de rua, do desenrasca, tais como vender queijos e mel numa barraca com o seu amigo Aurélio que eu também conheci lá na serra, um amigo que esperou um ano por ele para continuarem a estudar juntos na escola de Alcanena, aos turistas na abertura das grutas, isto antes de começar a vender num burro que foi trocado por uma motorizada até Alvados e ir para Minde e Mira, terra última que se inunda no Vale de Mira de Inverno. Vender por mercados, conhecer mercadores que se preocupam com os preços, em alinhar as suas tarifas ao maior preço e comprar ao menor, chantagear com a possibilidade de arranjar novos fornecedores, mostrar facturas aldrabadas para que reduzíssemos o preço, ouvir conversas dos velhotes sobre a vida das pessoas da terra, terra de pessoas das quais nada sabemos nem imaginamos as caras mas que por alguma razão achamos histórias fascinantes, por razão alguma, razão nenhuma ou pura cisma. Lá ia eu deambulando ao sabor da vida dos familiares. Passeando pelos terrenos do meu avô, comendo frutos silvestres que diziam parecer-se a outros venenosos. Indo à compra dos ovos com a minha madrinha a Ourém a uma idosa chamada Mariana, que de nada sei há bastantes anos. Regressando para os meus pais. Retornando às vidas que tinha com eles com meses de vida, vidas que eram eram estar numa alcofa, numa cama do camião Iveco dos meus pais, de viagem para a margem Sul de Lisboa, Palmela, Pinhal Novo, Sarilhos Grandes, e outros parecidos, conhecendo senhores de pastelarias, comendo bolos que alguns ofereciam e comendo bolos que outros não ofereciam, conhecendo cães e casas e familiares dos vendedores, vendo pasteleiros cujo ramo operário se estendia à classe familiar, mesclando estas vendas com as do Algarve, indo para Portimão, Albufeira, apanhando banhos de praia quando era na época de Verão, chegando a ficar de um dia para o outro por causa desses banhos. Passando férias com a família num camião pelo Algarve, que levava colchões e dormíamos todos, tios, primas, amiga francesa das primas, padrinho, madrinha, pais, avô, tia no camião, naqueles colchões, cozinhando num fogão portátil, indo de dia pela margem do Algarve, praia a praia, nos automóveis dos meus Tios, até que terminássemos em Monte Gordo. Vivendo livremente durante alguns dias. E no último recordo-me do pacote de batatas fritas que comi num café, tinha uns 4 anos. Anos a que me resumi descrever misturando as fases, saltando tanto para os primeiros anos de vida como para a fase pré-escolar, num jeito de fechar gavetas gravadas no subconsciente e abri-las aos empurrões na traseira do móvel encostado à parede gélida da memória. Embora não faça sentido recordar algo não sequencial e muito menos algo que tanto está nos confins da infância como no seu início, faço intenção de recordar os tempos em que andava na minha aranha lá por Relvas, perto de Ferreira do Zêzere e pela zona de Pombal, em que os meus pais iam comprar ovos a fim de os ir vender depois, e as guloseimas e bolachas que as operárias que ganhavam um ordenado muito extremamente perfeitamente baixo me davam por eu ser um gracioso menino sorridente e feliz que brincava com a aranha no meio de paletes de cartões de ovos e porta-paletes e máquinas de tirar ovos dos aviários e senhoras de bata branca e chapéu de operário e funcionários que chefiavam e os patrões daquilo. Lá era eu, nesta época antes da minha irmã nascer. Noutros lados ficava fora do carro enquanto o meu avô ajudava a minha mãe a carregar a carrinha e eu jogava com pedras e atirava-as à carrinha, chegando a partir uma vez o vidro da carrinha. Era eu maroto. Ainda que o meu objectivo não seja sublinhar a minha vida mas sim a vida das pessoas que com comigo se intersectavam e o que faziam para conseguir sonhar à noite com o pagamento da casa por prestações, no casamento, nos amigos, na família que deixavam, nas contas da casa, no que teriam feito se tivessem nascido ricos ou com posses da antiga classe média que na altura era algo não raro.
Não tenho gosto em reavivar estas memórias. Nem de as inventar, porque de facto são verdadeiras, genuínas, lembram-me que pessoas que nunca me dei com elas mais tarde assim muito, tomaram conta de mim durante um dia ou outro nos primeiros meses de vida, pessoas que não são da família e que não são ricas, pessoas que também são da minha terra, da família dos Mários, pessoas que têm de procurar fazer pela vida pois não nasceram ricas, pessoas que possa nada lhes sorrir e às vezes não agirem do melhor modo no fundo o que procuram é sobreviver num mundo cruel e que abre a porta a comportamentos de marginalização e exclusão pela falta de conhecimento, por nos reduzirmos ao local, a pessoas que na maioria vivem bem e fecharmos os olhos a um mundo tão maior em que o contraste social se torna tão elevado como o valor da temperatura num termómetro cujas unidades estão em centígrados e outro em que estão em Kelvin. No entanto cada um pensa como quer, e quem sou eu para criticar quando somos nós que fazemos as escolhas de quem aceitamos para o nosso mundo, as escolhas de ajudarmos quem realmente precisa, ou de acharmos que precisam, de satisfazermos os pequenos caprichos de comprar algodão doce numa festa popular ou de dar esmola a um pedinte que está à porta de uma Igreja, ou de contribuirmos para uma acção de solidariedade, ou de virarmos as costas a isso tudo a nível social de forma a só ajudarmos quando ninguém nos está a ver, quando só a pessoa que ‘realmente precisa aos nossos olhos’ reconhece a contribuição ou o empurrão motivador e assim recebe uma esperança extra que diz claramente, ‘ainda há boas pessoas neste mundo que não esperam nada em troca, que não esperam que eu desate por aí a apontar-lhe e a ajoelhar-me perante os seus pés para que todos vejam, que não esperam mais que aceite o que me dão, que nunca irão sair dali para contar o que fizeram’. Mudando o fio do raciocínio, espero que seja fácil de perceber que apenas referi esta ideia, não estando portanto à espera que se perceba o que eu faça, se ajudo sem ser por satisfação pessoal de ‘subir na minha ideia de hierarquia social’ ou se sou um egoísta que pensa em mim e anti-social.
Porém há certos tipos de pessoas que serão sempre um mistério, e bem se sabe que cada pessoa tem uma pitada de cada tipo de ser humano que existe. Sendo assim, há quem opte por ser invisível e deixar as suas marcas no mundo, retirando qualquer possibilidade de ser reconhecido um dia e eliminando as marcas de bondade que se fosse no mundo do crime seriam suficientes para nos engaiolarem, tendo uma justificação aparentemente inocente de que não quer alguma vez confundir o bem que faz com a hipocrisia e o mal que sabe muito bem serem referentes à cultura natural de cada legado ‘Rogue Human Be-In’ que por cá anda, todos nós à sua maneira.
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Dionísio Dinis
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« Responder #1 em: Outubro 26, 2008, 11:35:03 »

Um pedaço de história de vida com uma elevada lição ética em conclusão.Se na primeira parte do texto, ainda nos podemos sentir algo perdidos pelo turbilhão de memórias, na parte final, o texto mostra-se mais claro e conciso, diria até, com relevante brilhantismo e originalidade!
Uma escrita a ser seguida sempre com o máximo interesse!
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Goreti Dias
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« Responder #2 em: Outubro 26, 2008, 11:47:14 »

Poder pensar, podemos! O que quisermos. Se possível, não dizer tudo em voz alta. Corremos o risco de cometer injustiças. Leve cada qual a vida conforme lha dita a sua consciência e ajude como souber ou puder. Mas muita hipocrisia por aí há... ó se há!
Um texto de que não apetece perder pitada!
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Goretidias

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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
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Boa feliz noite para todos.
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Bom fim de semana para todos
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Boa quinta para todos.
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Boa noite para todos.
Março 02, 2021, 20:10:50
Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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