marcopintoc
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« em: Dezembro 15, 2008, 00:17:25 » |
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Um novo dia Anabela entrou no escritório com uma luz estampada no seu rosto. Os olhos brilhavam e o esboço de um sorriso aflorava os cantos de sua boca. Este facto passou perfeitamente desaparecido aos seus companheiros de trabalho com os rostos em fusão com os monitores. A única pessoa que reparou na sua alegria contida foi a Dona Jéssica que naquele momento vazava os despojos de um balde de lixo no carro de limpezas. Por um breve instante o sorriso foi correspondido até o olhar de Jéssica ser devolvido ao chão que é o lugar do mirar dos emigrantes ilegais. Para Anabela pouco importava. Era um novo dia, o começo de uma nova era. Tinham-se acabado os choques hormonais que a punham, ora num mau humor sem sentido, ora louca por ter um homem para si. As corridas para o sexo com hora marcada com o seu marido, que cada vez aparentava maior flacidez e stress na demanda pela concepção eram parte de um passado. Finalmente poderia reconstruir as finanças quase arruinadas pelas clÃnicas de fertilidade. Essa manhã tudo mudara. Tinha imposto a si mesma alguma calma e poucos sonhos nas semanas passadas ,onde a menstruação persistirá em não surgir. Mas hoje o veredicto fora inequÃvoco por parte do seu ginecologista. Dentro de si um óvulo fecundado desenvolvia-se. Chorara compulsivamente de alegria no estacionamento subterrâneo. Percorrera o vagar do eixo Norte-Sul com o rádio tocando alto músicas alegres que trauteava bem-disposta. Pousou a mala no cubÃculo que era seu por oito horas por dia e dirigiu-se num passo alegre para o departamento de recursos humanos. - Bom dia! Preciso de falar com a Dra. Amélia – anunciou à nova secretária do departamento que com um ar aborrecido a anunciou à responsável. Passaram-se longos minutos ,justificados por telefonemas importantes e outros afazeres de quem manda, até que a porta se abriu e a figura cilÃndrica da Dra. Amélia ocupou toda a largura da porta: - Entre por favor....- um olhar rápido ao processo – Anabela , como tem passado ? Já sentada em frente aquela mulher volumosa, conhecida nos corredores pela alcunha de Madame Bujon devido à dimensão das suas nádegas , Anabela manteve o sorriso e serenamente informou , conforme a lei , a representante da entidade patronal que estava grávida , que o parto estava previsto para inÃcios de Fevereiro entre outros detalhes de menor importância como desejar que fosse um menino. Os olhos da Dra. Amélia levantaram-se do processo esparramado na secretária e perscrutaram a face de Anabela por cima das armações fora de moda. Um silêncio de quem arma discurso: - Muitos Parabéns! A empresa fica extremamente feliz em saber que vai ter mais um sobrinho. O colossal corpo levantou-se com esforço e estendeu um braço rÃgido terminado num aperto de mão flácido que acompanhou rapidamente Anabela de volta ,aonde era necessária , aonde era produtiva. Ainda o discreto perfume da mulher grávida pairava no ar quando a responsável rapidamente marcou o número do director-geral: - Sim , Amélia ? Diga lá – a voz autoritária do Engenheiro Macedo , selado no seu escritório de mogno , dono de eterna má disposição. - Temos outra prenha – informou Amélia baixando a voz num tom conspirativo. - Outra ? Foda-se Amélia ,que raio é que estas vacas julgam que são ? Vem para aqui e passado uns meses desatam a levar na rata que nem umas loucas. Estou-lhe farto de dizer que contratar mulheres jovens só dá é chatice. É os putos ou as doenças dos putos , os casamentos , as luas de mel. Porra! Quem é a gaja ? -Eu sei ,Engenheiro , Eu sei . Já não há respeito pela empresa, acham que isto é uma misericórdia. Eu sei.. mas com os salários que pagamos só consigo ir buscar disto. - Amélia! Acabe lá com o choradinho. Não ouviu a pergunta? Quem é a gaja? - A Anabela Marques do departamento financeiro. Está a contrato – informou com um tom de alÃvio a submissa senhora. - Ufa . Ainda bem . Xiça que susto . Já sabe o que fazer – a chamada terminou abruptamente. Com um vagar de um gesto já repetido inúmeras vezes, Amélia abriu a gaveta da secretária e retirou um grande carimbo vermelho que já apresentava sinais de desgaste. Premiu-o contra a almofada e folheando o processo ainda aberto à sua frente marcou a página com o titulo “Cadastroâ€. - Não renovar – atravessou-se a vermelho de fonte grande sobre a fotografia de Anabela que algures no seu cubÃculo deambulava com um olhar sonhador entre peuguinhas e berços.
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