Tim_booth
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« em: Agosto 28, 2008, 18:21:44 » |
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Ele era um homem de paixões. Várias paixões, provavelmente nenhuma delas saudável. Ãlcool, mulheres, música e livros, the whole nine yards. Não necessariamente nesta ordem.
Em todas elas, amava absolutamente todos os pormenores. Amava beber todos os lÃquidos inebriantes e amava conhece-los ao pormenor de saber o ano e a origem de cada colheita que os fabricara. Amava ler e escrever, conhecer os novos autores, revisitar os clássicos, apreciar as suaves nuances de qualquer recurso estilÃstico e deliciar-se com a escrita simplista da literatura light, criar o seu próprio estilo e deixar-se guiar pelas palavras. E nas mulheres o que há para não amar?
Todas as noites sentava-se no pequeno estúdio que tinha em casa, o que ele chamava ao quarto mÃnimo que tinha forrado com esponja onde guardava as suas preciosas guitarras. Sentado no banco, pousava o copo em cima do amplificador velho. O conteúdo do copo variava conforme a disposição, o tempo, e o que tinha em casa, mas, de forma geral, os mais recorrentes eram um whiskey irlandês ou um martini rosso. Junto à entrada do quarto, onde tem as suas guitarras expostas, pega quase sempre na mesma, aquela primeira que comprou e que tanta história tem para contar. Liga o jack à sua amiga de longos anos e sorri ao pensar na sensualidade do movimento. Liga depois o amplificar, também ele com vários anos e histórias, e mentalmente reproduz o som de on que ao longo dos anos foi-se acentuando no speaker que ele teima em não trocar.
Soa o primeiro acorde. Quente, doce como o seu interior. Fecha os olhos e deixa as cordas vibrar e o seu som penetrar nele como um amante penetra na sua amada. A partir daà é como se estivesse numa cabine à prova de som. A única coisa que consegue ouvir é a sua própria música. As notas sucedem-se, umas vezes mais quentes, outras mais rÃspidas e irritáveis. Por vezes levanta-se do banco, deixa-se levar pela a raiva acumulada durante o dia, tocando furiosamente. Outras vezes, bem menos raras, desliga todos os efeitos do amplificador e dos pedais, aumenta o volume e deixa os seus dedos livres pelo braço da amiga da mesma maneira que deixa as lágrimas correrem pela sua face. O som que produz, apesar de estupidamente alto, é impossÃvel de incomodar, é como se estivesse a dialogar com o instrumento em tom ameno. Se por acaso alguém tem o privilégio de ouvir um desses momentos, coisa quase inédita, não consegue manter a compostura e deixa-se levar ao som das notas. É provavelmente a forma mais honesta de música.
Por várias vezes, toca pelas longas horas da noite. Pode dar-se a esse luxo. Mas inevitavelmente acaba por pousar a guitarra e sair do seu estúdio, reality check.
É claro que os homens de paixões boémias nunca voltam realmente à realidade, e se pousou a guitarra, o mais certo é ter outro tipo de formas na cama.
E a vida é paixão.
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