gdec2001
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« em: Novembro 18, 2013, 14:40:56 » |
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O pior dos sonhos é o mau hábito de acordar
E passados dias aconteceu o pior: A mãe da Elsa apareceu. Foi ao jardim procurá-la e contou que se chamava OlÃvia. Que quando ali deixara a criança, se dirigira para o local onde estacionara o carro e fora atropelada. Que ficara algum tempo em coma e que, quando recobrara os sentidos não se lembrava de nada, nem mesmo quem era. Que começara mesmo a aprender a andar e a falar mas que num certo dia, - ontem, à noite, disse, - recuperara de repente toda a memória, inclusive a lembrança de ter uma filha e do local onde a deixara. A Responsável ouviu todas estas explicações com ar sério mas, por fim, respondeu que se lembrava bem da OlÃvia que, por acaso tinha dito que se chamava Olga, quando ali deixou a menina; e que era evidente a falsidade de tudo o mais que contara na altura em que ali fora colocar a criança. A OlÃvia começou então a chorar e acabou por confessar que, na verdade, tentara "deixar ali" a sua filha, perturbada como se encontrava pelo facto de ter sido abandonada pelo marido. Que mentira porque se envergonhava de ter feito o que fizera mas que, agora, queria a sua menina e pagaria tudo quanto devia. Exigiu, a instituição, que ela lhes trouxesse uma certidão de nascimento da criança e que identificasse quem era o pai e informou que corria o processo da adopção e que a menina fora entregue aos futuros pais mas que não lhe diriam qual era a morada deles enquanto não obtivessem aquelas informações. Ela deu logo a informação sobre o pai da Elsa que se chamava José Caetano Duarte e era industrial. Que há poucos dias se haviam reconciliado, acrescentou. Deu a sua morada e disse que ia tratar imediatamente da certidão, saindo em seguida. O jardim contactou pelo telefone com o Sr. Duarte pediu-lhe para ir aquela instituição. O industrial compareceu imediatamente acompanhado pela mulher de quem confirmou as declarações, esclarecendo porém que durante todo este tempo estivera sem saber onde parava a menina porque a mulher se recusara a dizer-lhe tendo-lhe contado a mesma história do acidente e da amnésia em que ele, tolo, acreditara. E trazia a certidão de nascimento pois havia uma em casa, o que ela não sabia por ser uma cabeça no ar, afirmou. Mostrou os bilhetes de identidade de ambos e comparando com eles a certidão de nascimento da Elsa da Costa Duarte -pois tal era o nome da menina - adquiriram a certeza de que estavam em face dos pais dela. Indicaram então a morada do Mário e da Adélia. Correram lá e foram encontrar o Mário e a Adélia desfeitos com a notÃcia que haviam sabido pelo telefone. A OlÃvia abraçou efusivamente a criança que se retraiu assustada e fugiu para o colo do Mário. O José Duarte apenas a olhava. A Adélia disse então que só lhes entregariam a menina se o seu advogado concordasse. Que em breve os avisariam. E eles foram-se embora, obedientemente. O advogado mostrou-se um tanto reticente. Disse que o tribunal podia declarar a menina abandonada pelos pais porque há muito mais de um ano que nenhum deles a procurara. Disse ainda que o juiz podia dispensar o consentimento deles mesmo que a menina não fosse declarada abandonada. O problema era o pai da criança... A Adélia percebeu e desistiu logo de lutar. Veio para casa e preparou a Elsa para a entregar aos pais explicando-lhe o que acontecera e como acontecera. Ela pareceu perceber. Chamados, os pais compareceram imediatamente e foi o Mário quem lhes entregou a menina porque a Adélia não quis estar presente. O José Duarte pediu e insistiu para que lhe dissessem quanto é que devia pelo tratamento que deram a sua filha mas o Mário nada quis aceitar. Ele é que devia pagar, se se pudesse contabilizar a alegria que a menina lhes dera, disse. A Adélia chorava no seu quarto. O José e a OlÃvia não quiseram aceitar nenhum dos brinquedos da menina mas ela não largou uma boneca que trazia ao colo. Aceitou com frieza ir com os pais. Parecia um tanto atarantada com toda aquela agitação. A Adélia tinha dito que não queria tornar a ver a Elsa porque isso a faria sofrer mais mas, logo no dia seguinte, foi a casa do José e da OlÃvia ver a sua menina. Enquanto a tivera em casa nunca como sua a considerara mas agora, não lhe vinha à cabeça outra designação. A Elsa recebeu-a com risos e gritos de satisfação e pediu-lhe para lhe contar histórias continuadas. Todas aquelas que já tinha ouvido tantas vezes e que ouvia sempre como se as não conhecesse. E é certo que a Adélia sempre lhes introduzia qualquer coisa de novo. O grande problema foi quando quis vir-se embora sem a trazer. Agarrou-se a ela e não queria deixá-la. Deixou-a a chorar desabaladamente e á Adélia também lhe apetecia fazer o mesmo. De maneira que resolveu não ir vê-la nos tempos mais próximos, para não a fazer sofrer. Aconteceu porém que o Mário quando saiu do trabalho, ao princÃpio da noite, foi também vê-la e repetiu-se a mesma lamentosa cena. Quando chegou a casa desesperado, encontrou a Adélia da mesma maneira. Consolaram-se um ao outro, como puderam e ficaram, mais uma vez, completamente infelizes. Juraram que nunca mais tentariam adoptar um filho. Continuaram a amar-se muito mas já nem riam nem brincavam. Desinteressavam-se das pessoas que haviam conhecido há pouco tempo e não desejavam conhecer outras. Nos seus passeios à roda do Tejo ela via-se sempre envolvida por aquelas pequeninas ondas e, por vezes, lá no fundo quietinha esquecida de tudo. Um dia o Mário disse: E se fizesses uma inseminação artificial ? E ela : Parece-me que isso é muito caro. No entanto foi informar-se e ficou a saber que custaria, mais ou menos, mil e quinhentos euros o que era, efectivamente, demasiado caro para as possibilidades deles. Desistiram então de conseguir um filho, durante quase um ano. Mas na verdade nenhum deles deixou de pensar nisso durante quase todo o dia de todos os dias. A Adélia ia frequentemente ao jardim-escola onde a Elsa andava e ficava cá fora, um pouco longe, num local ajardinado meio escondida a vê-la brincar. Desenvolvera-se muito e parecia feliz.
Geraldes de Carvalho
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