Auto-análise
Assento-me no escabelo da minha consciência
e assisto
maravilhado
ao desenrolar de múltiplos e incondicionáveis acontecimentos.
Que espectáculo maravilhoso !
Mas é preciso não sofrer de vertigens para suportá-lo.
Nascem-me
não sei de onde nem como
ideias que borbulham ao princÃpio timidamente
para depois se imporem
e tudo ameaçarem inundar .
E assim como vieram assim se vão
deixando é certo
uma impressão de imensa frescura
mas absolutamente nada de menos indefinido .
E as lembranças (?)
que assomam de buracos imprevisÃveis
como os ratos no cinema de Disney
e conforme encontram o terreno livre ou perigoso
assim se instalam mas nunca tranquilamente
ou passam correndo
apenas reconhecÃveis pelo sentimento .
Também me enervam os ratos
mas não fujo para cima de nenhuma mesa.
Fico ali
assistindo a cópulas monstruosas
em que dois -ou mais-
destes seres inominados
se juntam e misturam impudicamente.
Pensamentos chamo eu
aos nascidos de partos de todas as categorias.
E, sempre sentado
no escabelo da minha consciência
assisto ao crescimento dos meus pensamentos.
Sigo-lhes a vida a par e passo .
São milhares .
Discorrem ao princÃpio tranquilamente
a um lado e outro lado do conhecimento
e se encontram um pequeno obstáculo
fazem dele motivo de brincadeira :
Pequenos muros que saltam como cabritos contentes
muros maiores que transpõem com galhardia
e maiores que transpõem com heroicidade .
São assim os meus pensamentos.
A sua vida é alegre
mas não muito gloriosa
até que chegam ao último obstáculo.
É um muro grande grande
de que não se vê o cimo
mas parece um muro deste lado.
Também podemos chamar-lhe o mistério
que é uma palavra
para o que não tem palavras.
E depois que lá chegaram
e o enfrentaram
sem o conseguir ultrapassar
obstinam-se louca e encarniçadamente.
Empinam-se como cavalos generosos
e batem-lhe com as patas dianteiras.
Quando reconhecem a inutilidade dos seus esforços
quedam-se e reúnem-se para deliberar.
Então começam os desentendimentos.
Cada um tem a sua própria resolução
e engalfinham-se como galos estúpidos e barulhentos.
É aà que eu me levanto do meu escabelo
e cego pela ira
-porque eu não admito violências-
procuro separar os contendores.
Luto com eles sem lhes ver a face
-irado como estou-.
É uma luta terrÃvel e silenciosa
e subitamente
encontro-me a esbofeteá-los .
Então uma grande calma nos invade
e voltam para mim
a minha face magoada.
É por isso
é por isso que eu tenho esta face magoada...
Geraldes de Carvalho
de "A outra luta de Jacob"- Beira-Moçambique -1964