Maria Gabriela de Sá
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« em: Janeiro 24, 2021, 18:38:21 » |
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Ontem, aqui nesta virtualidade moderna do facebook, alguém me chamou “velha ignoranteâ€. Era um dos mais recentes (aà por Setembro/Outubro) CHEGADOS ao meu perfil social, dos que deram aqui entrada camufladamente.
Já ouvi pior. Além de que eu ESTAR velha é a mais pura das verdades. Embora esse facto não implique necessariamente SER velha e IGNORANTE a ponto de não saber que, sendo a VELHICE uma caminhada, depois de muitas avarias na máquina, todos lá chegam se não houver acidentes de percurso. Ninguém escapa ao caixão e à tumba, ao inferno ou ao céu.
Como não sou ignorante, aqui e desde já faça a minha declaração de interesses. Quero ir para o céu e hei-de lá chegar quando o sopro do vento para lá levar as minhas cinzas. Ah, e que festa, quando nos juntarmos todos, ignorantes a um lado, insolentes do outro. E assim por diante, conforme a classificação no Tribunal da Eternidade. A velhice não é outra coisa senão uma soma de avarias, que começam todas e para toda a gente mais ou menos da mesma maneira e pela mesma altura. Dizem que têm inÃcio no dia do nascimento de todas as criaturas: com alma, sem alma e até das couves e alfaces. Mas, não sejamos tão radicais. Não cavemos tão fundo, fixemos uma idade mais avançada. Aà pelos trinta e cinco anos, quando já temos idade para ter juÃzo. Eu dei-me conta deste facto quando começou por me avariar a cor do cabelo. De repente, por entre o preto sedoso, lá se insinua um fio de prata, que me obriga a ir logo ao cabeleireiro tapá-lo como se estivesse prestes a enfrentar uma avalanche de neve (Deve ter sido na pré-história do termo técnico “Peste Grisalhaâ€).
Depois foram os olhos que reclamavam a primeira prótese, quando eu há muito os escondia sob os óculos de sol para ficar mais glamorosa. Os ossos, “ai, ai, doem-me as costas, as pernas, os dentesâ€. Seguiram-se outras avarias, as de mulher, nomeadamente, e eu com isso. Se quisesse ficar jovem para sempre nas lembranças dos outros tinha seguido o exemplo de Marlene Monroe. Chegava aos trinte e seis e enfrascava-me de medicamentos até me passar para o outro lado, indo para lá beber álcool e tomar comprimidos metafÃsicos…. A memória também cede o flanco. Mas, enfim, desde que não se atinja o Alzheimer é pacÃfico e “conditio sine qua non†de que a velhice será, além de uma soma de avarias, uma bateria de saber acumulado passe a redundância. Bom e eu, à medida que as avarias iam chegando, muito antes de chegar o “CHEGAâ€, e de alguns membros catarem o meu perfil, lá fui indo aos meus mecânicos do corpo, porque as avarias da alma, muitas das quais provocadas pelo amor, lá as fui curando com um remédio infalÃvel, o tempo.
Ontem, quando a minha velhice foi apelidado, a tÃtulo de insulto, por um jovem “CHEGADOâ€, daqui destes meus já longos anos, embora não com tanta evidência e na minha proclamada ignorância, cheguei uma conclusão: Se fosse hoje, meu menino, quando, a meu pedido, disseste que irias sair e bateste de seguida com a porta do meu perfil, ter-te-ia dito:
“ Muito obrigada. Da velha ignorante para um jovem insolenteâ€. E para com os meus botões:
- Anda lá meu melro que um dia vais levar por tabela… E obrigada também pelo mote para esta crónica.
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