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Autor Tópico: Malaquias (13)  (Lida 2104 vezes)
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NunoMiguelLopes
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Não vou gostar nada do dia de hoje, pois não?


« em: Outubro 17, 2009, 16:22:09 »

A luz do dia que ainda era esbofeteou-o lá fora em cheio nas vistas e Malaquias, o Grande, sem os seus habituais óculos escuros, perdidos algures num envelope no arquivo de soltura do estabelecimento penal do Monte à espera que um dia ele saísse, como estava a sair, mas dentro da legalidade processual, escudou-se com uma manápula que eclipsou o sol e contemplou o parque de estacionamento dos funcionários do presídio do qual acabara de se evadir, embora não fosse razão para se pôr a festejar já, ainda aí vinham vinte e muitos quilómetros de curvas montanha abaixo que se adivinham, no mínimo, escarpados, precipitados e, sendo que vivia numa era da tecnologia de informação em tempo real, provavelmente a certo ponto bloqueados caso as forças da autoridade do Monte tivessem alertado as suas congéneres da Baía para o fugitivo que, mesmo que por enquanto ainda no Monte, já se encontrava a monte, não seria difícil de o identificar, realmente nada, bastava abrirem a pestana para a eventualidade de virem passar um leviatã cor alaranjada pingando como uma boca de incêndio das bainhas das calças e, se o vissem, já agora não esquecessem de atirar a matar porque com bons modos o pessoal do Monte não fora a lado nenhum, excepto, talvez, até ao consultório de ortopedia mais próximo, ou de algum estomatologista que tivesse acordo com a Polícia.

Outros quinhentos, que Malaquias, o tal, debruçava-se agora hesitante entre fazer ligação directa ao autocarro oficial e marcado que transportava os guardas prisionais montanha acima, montanha baixo ou em vez desse ao SUV estacionado parque no lugar reservado ao senhor director, um e outro veículos sendo os únicos por ali espalhados à torreira do sol onde o descomunal foragido acreditava conseguir encaixar o seu volume corporal, roliço diria a sua falecida e, apenas por razões de antipatia pessoal pelo homem, nem todas muito bem fundamentadas, era mais uma questão visceral que intelectualmente alicerçada, a sorte calhou ao veículo de ancas largas e rodas altas desenhado originalmente para o serviço militar mas que depressa ganhou uma popularidade inconveniente e inexplicável entre todos aqueles a quem um pénis pequenino calhara na rifa genital, como não podia deixar de ser o caso do senhor director, cotovelo molhado contra o vidro inquebrável do condutor, onde é que Malaquias já vira aquilo acontecer antes, oferecendo-se como voluntário de peito aberto àquele deja vu, cacos depressa estilhaçados e o alarme da viatura a pedir um socorro comovente, de muito lhe serviria, de tanto quanto serviu à sirene de alerta da cadeia, que ainda se ouvia mas à qual já não se prestava tanta atenção, Malaquias soltou a tranca da porta e içou-se para o interior de cabedal estofado qual génio a espremer-se de volta para dentro da sua lâmpada, arrancou com um puxão os fios debaixo do volante, despiu dois deles da sua cobertura isolante e uniu um a outro, que faiscaram felizes por estarem finalmente juntos, o motor trepidou pujante em compasso com o mundo inteiro, caixa automática, como era óbvio, a meter a primeira quando o presunto quarenta e nove de Malaquias calcou o acelerador e se fez ao piche amolecido pela temperatura elevada, lá indo ele a toda a velocidade de encontro aos altos portões de malha de aço, antes da colisão aparatosa ainda trancados que constituíam a única barreira física entre quem queria deixar o Monte, de uma forma ou de outra, e foi de outra, não de uma, que Malaquias, o Grande, o fez, o deixou para trás.

A estrada virou imediatamente para a direita, mergulhando num pinheiral crescido, denso e seco e a pedir que alguém numa distracção incendiária lançasse uma beata pela janela, não seria o caso de Malaquias, que já não fumava, uma das promessas que fizera à sombra da sepultura da sua querida esposa, embora fosse mais correcto dizer que seria a sepultura que estaria à sombra do enorme corpanzil de viúvo de Malaquias, juras de nunca mais tocar em cigarros, juras que faria dieta, embora esta jura uma falácia calculada da sua parte já que, e após pesquisa aturada no dicionário que tinha em casa, um calhamaço cheio de pó e palavras, descobrira que a dieta era apenas um regime alimentar, não especificava qual, não tinha forçosamente de ser um regime onde escasseasse tudo o que era bom e faltassem aquelas coisas que sabiam bem, muito pelo contrário, não havia ponta de fascismo na definição, apesar de lá vir a palavra regime, a estrada virou para a esquerda, essa jura fora assim manobrada com Malaquias pensando ainda em mudar, no que à outra jura dizia respeito, para charutos, que não eram de todo em todo cigarros, mas achou que se houvesse uma vida depois da morte em que os mortos passavam a sua vida a espiar a dos que continuavam vivos e a seguir-lhes os passos quase sempre com fantasmas de desaprovação estampados nos seus rostos, a falecida, a quem ele, Malaquias, tanto amava, tanto viva quanto morta, estaria mentalizada para sofrer uma desilusão, talvez, mas nunca duas, e fora por essa ordem de razões que deixara de fumar, cigarros ou lá o que fosse, nem salmão que tivesse sido fumado ele mandava vir do menu, convindo, se quisesse ser sincero, que peixe não era bem o tipo de carne que ele gostava mais de comer, a estrada mudava novamente de ideias recurvando-se para a esquerda.

O SUV descia a montanha como se tivesse o diabo às costas, com o condutor pantanoso a contribuir para o peso exercido no acelerador, a segurança das curvas não desfazendo, a pressa fazendo parte da imprudência exibida pelo o velocímetro, aí vinha na mecha Malaquias, o melhor condutor dos tempos da Academia, fitipaldi dos chaços com fundidos pirilampos no tejadilho que os instrutores passavam para as mãos dos formandos como se fossem bólides topo de gama e ai deles que lhes acrescentassem uma nova depressão na chapa apinhada de amolgadelas antigas, ai deles, deméritos e o caraças, Malaquias a entregar sempre os veículos no mesmo estado em que lhe chegavam, nem risco nem nada, nada que lhe pudessem apontar e dizer “vês?â€, e sempre a bater todos os recordes de provas, sempre a ziguezaguear veloz entre os pinos com a mesma facilidade com que fazia as esquerdas repentistas e as direitas abruptas da apertada estrada florestal que servia o Monte, Malaquias era o melhor condutor que alguma vez sucedera na Academia, eles que se mentalizassem disso, que nem se pusessem com ideias de erigirem uma barreira na estrada lá em baixo, eles que o deixassem passar, porque se não deixassem, ele passaria à mesma, o SUV tinha cinto de segurança, o SUV tinha airbag grande o suficiente para o levar numa viagem de balão, os cento e muitos quilos do passageiro ou não, o SUV tinha um pára-choques de carro blindado, o SUV era, efectivamente, um blindado, eles que não se pusessem com ideias, a estrada a fazer a sua última curva para um dos dois lados disponíveis na ementa, não interessava qual, e o acesso à  auto-estrada a surgir lá ao fundo, Malaquias nem queria acreditar, lá ao fundo surgiu o acesso e estava completamente desimpedido, ninguém se chibara da sua fuga, caminho apresentava-se livre, queridos sobrinhos, o tio ia a caminho, o tio era só mais um bocadinho, só esperava não chegar demasiado tarde, era tudo o que pedia Malaquias, Malaquias, o Grande.

« Última modificação: Dezembro 16, 2009, 13:34:11 por NunoMiguelLopes » Registado
Goreti Dias
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« Responder #1 em: Dezembro 18, 2010, 10:48:10 »

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