josé antonio
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escrever é um acto de partilha
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« em: Março 02, 2010, 16:32:31 » |
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Uma viagem pelo Chile, guiados pelas memórias de Pablo Neruda, Prémio Nobel da Literatura. ValparaÃso e Vicuña são dois dos lugares a reter.
Nobremente instalado no sótão, o escritório abre-se ao vento. No andar de baixo, quase suspensa no vazio, colada à vista vidrada da baÃa, a cama flutua sobre ValparaÃso, o mosaico de casas, o porto e o oceano. A extraordinária situação de La Sebastiana, a casa onde viveu Pablo Neruda (1904-1973) na década de 1960, pode levar-nos a pensar que quem aqui viva algum tempo pode vir a inspirar-se tão criativamente como o poeta. Infelizmente a casa não está para arrendar e até é proibido deitarmo-nos na cama ou sentarmo-nos á secretária de Neruda. Desde que foi transformada em museu, La Sebastiana passou a estar aberta ao público. Podemos percorrê-la por devoção, divertimento ou curiosidade. Podemos extasiar-nos com o bar, tão pequeno que parece impossÃvel que o poeta barrigudo pudesse passar para trás dele, de tal maneira o espaço é exÃguo. Mas era ali que preparava o “coqueletonâ€, um cocktail inventado pelo próprio Neruda e composto, em partes iguais, por conhaque e champanhe, umas gotas de Cointreau e sumo de laranja. Enquanto preparava a bebida, possivelmente meditaria na insÃgnia que preside como um trono á parte superior do bar. “ Ao coração coroado, trespassado por uma flechaâ€, reza a frase. Onde terá Neruda encontrado este objecto que tem o nome do albergue parisiense frente ao qual o bom rei Henrique VI foi apunhalado por Ravaillac? A casa desta cidade rasteira ao mar está cheia de objectos tão estranhos quanto extravagantes e de recordações trazidas de todos os cantos do mundo. “Porto loucoâ€, “constantemente surpreendido pela vidaâ€, “extravaganteâ€, ValparaÃso é também, na pena de Neruda, a “ noiva do oceanoâ€, “ luminosa e nua, fogo e neblinaâ€, “rainha de todas as costas do mundoâ€. Viajar por entre estes nomes é uma viagem sem fim, porque a viagem, em ValparaÃso, não tem fim nem na terra nem nas palavras – garante o poeta que recebeu o prémio Nobel em 1971. ValparaÃso é a verdadeira cidade dos altos e baixos: nada menos de duas dezenas de colinas à beira-mar. Vicuña igualmente conhecida pelas suas vinhas e pela produção de pisco – bebida consumida como aperitivo, tem um museu dedicado a Gabriela. Apesar do apelido, que tomou de empréstimo a Frédéric Mistral, a quem devotava grande admiração, Gabriela não gozava de grande apreço em França: muito poucos poemas foram traduzidos, e as raras colectâneas onde foram publicados saÃram há muito dos catálogos. Mas é venerada no Chile. “ Eis-te, Gabriela, amada filha destas plantas, destas pedras, deste vento gigantesco. Acolhemos-te com alegria. Ninguém esquecerá os teus cantos aos espinhos, à s neves do Chile. Tu és chilena. Tu és do povo. Ninguém esquecerá as tuas estrofes aos pés nus das nossas crianças…†escreveu Pablo Neruda. Apesar de nenhuma constelação ter o nome de Mistral, impõe-se um desvio ao observatório astronómico de Mamalluca, a menos de 10 km de Vicuña. Noite escura – particularmente tenebrosa nesta região onde estão instalados vários observatórios cientÃficos – podemos contemplar facilmente o Cruzeiro do Sul e, depois, continuáramos de surpresa em surpresa, graças aos guias que nos levam nesta viagem pelo firmamento. “Vai poder surpreender Vénus completamente nuaâ€, avisa um deles antes de acrescentar, fingindo grande desolação: “ Que pouca sorte, hoje vê-se apenas metade, um outro planeta, ciumento, está a fazer-lhe sombraâ€.
Excertos do LE MONDE – Paris
José António
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