jcbrito
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« em: Abril 03, 2008, 12:00:48 » |
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4ª HORA
Sem nada pronunciar, inseriu, tremulamente, a chave na ignição da fragonete. São, cumprindo, na perfeição, o seu papel de mulher submissa, deixava-lhe toda a iniciativa. Geralmente, Tó Morcego fazia o serviço mesmo ali, no aparcamento da Romano’s. Mas, naquela noite, parecia que toda a gente tivera a mesma ideia, de tal forma que o local mais se assemelhava a uma feira popular, tais os barulhos inusitados dos amortecedores dos veÃculos vizinhos e os ruÃdos guturais e exclamativos que deles provinham. Não que o nosso Tó não tivesse lata para dar a sua quequinha em público, mas aquela gaja era especial. Valia o esforço de procurar um local mais apropriado. Por isso, sintonizou o rádio numa emissora altamente e engatou a marcha-atrás. Iam dar uma volta lá para os lados do Monte de Santa Justa. Foi a custo que a carrinha escalou a Ãngreme subida que dava ao cimo da elevação mas, uma vez lá, Tó Morcego deu por bem empregue os quinze minutos que houvera desperdiçado. O panorama era espectacular e, para além deles, não havia vivalma. Só a ritmada e excitante música dos últimos ralos. O cenário estava montado. Competia aos actores actuar. E nesse capÃtulo, o nosso protagonista não se fazia rogado. Num ápice, calças, casacos e camisas começaram a voar por toda a fragonete. A terra preparava-se para tremer, os sinos para tocar em loucas badaladas e alguém batia no vidro traseiro... Alguém batia no vidro traseiro? Mau, parece que havia crise. A chuva não batia daquela maneira, o que queria dizer que deveria ser gente, certamente. Com as mãos, Tó limpou um pouco o vidro que, previamente, havia cuidadosamente embaciado para tecer uma cortina intransponÃvel aos possÃveis mirones e deparou com uma mancha escura e de formas opulentas. A cerca de três, quatro metros estava parado um jipe com os faróis desligados. Não havia outra hipótese: era a bófia. São, meio despida, entrou em paranóia e tentava enfiar, à pressa, a roupa. Na confusão, vestiram-se precipitadamente, não reparando sequer nas peças que enfiavam. Entretanto, a mãozinha marota do guarda continuava a bater na janela. Ouviam-se várias vozes e risos sarcásticos. Os sacanas dos chuis divertiam-se com a situação. Quando Tó saiu, com o top cor de rosa da miúda vestido, despoletou uma imensa gargalhada aos agentes da “autoridadeâ€. O nosso artista sabia estar feito num oito. Apanhado literalmente com as calças nas mãos, não possuÃa nem carta de condução nem quaisquer documentos da fragonete com ele. Para agravar, o veÃculo não estava devidamente registado, pois o BÃtaro tinha-o adquirido a um sucateiro e, à custa de muito trabalho e empenho aos fins-de-semana, conseguira pô-lo a carburar. “Bigue chite!†– pensou Tó Morcego – « Agora é que estou mesmo feito ao bife!â€. A parada estava muito difÃcil e requeria uma táctica perfeita. Caso contrário, o resto da noite seria passada na choça. O indivÃduo fardado articulou qualquer coisa num português imperceptÃvel. Quando se movimentava dentro do apertado casaco de cabedal preto, fazia uma barulheira infernal. Tirou um bloco de apontamentos do bolso interior, molhou de saliva a ponta do lápis e começou a escrever. Pediu, primeiro os dados pessoais, ao que Tó retorquia obedientemente. — Morcego é com um ou com dois esses? - perguntou ele, a dado momento. — Tanto faz, pode escrever-se das duas maneiras - respondeu, tiritando de frio. Subitamente, fez-se luz no seu reduzido cérebro. Havia uma saÃda. Arriscada, mas era a sua única hipótese. — Vossa Excelência queira desculpar, mas acabo de me lembrar de que tenho os documentos no porta-luvas. – O guarda sorriu, como que conivente e satisfeito por ter sido, finalmente, compreendido. Abrindo a porta da carrinha, pediu a São, que fumava um nervoso cigarro, a última Dona Maria que tinha no casaco. Esperava ardentemente que chegasse para untar o bófia. Quando lha entregou, o gajo fez uma cara azeda, mas topando a aflição estampada no rosto de Tó, lá se deu ao trabalho de rasgar a multa que havia passado e regressou, sorumbático, para junto dos da sua laia. Cabrões! Anda para aà o pessoal todo a drogar-se e a roubar e estes jeitosos a surripiar os últimos cobres de um trabalhador honesto! Com isto tudo, os ponteiros do relógio já marcavam quatro horas. Tudo tinha voltado à estaca zero. Era outra vez necessário dar a volta à São que, abalada com o sucedido, queria a toda a força voltar para a discoteca. Sem coisa-e-tal? Nem pensar! Depois de todo aquele trabalho... (cont.)
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