Tere Tavares
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« em: Janeiro 05, 2016, 17:58:40 » |
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Apenas a metade do rosto: Aldo “Talvez as minhas perplexidades se deitem no âmago da terra vermelha, num frêmito rompante. Ali cabem todas as esperas e se escavam todas as recusasâ€. Alçou a face entre as conchas da cumplicidade para desabrigar-se dos minutos. As violetas rosadas não entendiam o seu gesto, nem as dúvidas que o envolviam na falta de uma identidade cuja aceitação nem de si escapava. Sua fronte confundida no lavrar da rusticidade, não evitava o perfume da malva escondido nas vestes do inverno. A garoa preenchia as cacimbas e os arbustos numa universalidade desconhecida. Esquecera as botas à beira dos cascalhos. Os dedos desinteressados como os pássaros nas figueiras. Simplesmente existia, irrepreensÃvel, para além do existir. Espiava, a cada indÃcio de fumo, as sombras que se pronunciavam na crueza dos seus olhos, nas paredes inexistentes. Foi um grande chumaço azul que lhe reascendeu a voz. A fecundidade antevendo o sorriso de uma lente similar à sua, viera rasgar-lhe outros mundos. Mais uma vez lançaria sementes guardadas na umidade lenta dos abraços. Ao falar da terra falava de si, da harmonia do acaso e da sua gama de avidez, mensurando-se, recoberto de manhãs, promulgando o veio das poças, o furor calmo das casas. Aspirava detalhes para lançar-se à similitude das plantações, à ostentação da liberdade. Recluso, dentro de si, ondulava a pureza de amar um espaço efêmero e fecundo como a vida. A tudo procurava sem a ambição de obter. Ao regressar à realidade, quando o luar caminhava sobre a fertilidade da várzea, sentia-lhe os pés. Quisera viver somente no seu secreto diamante, mas tudo afluÃa em rebuliços de estrelas, na vinda indecisa das coisas inesperadas. Quisera ir-se para dentro dos gemidos, da carÃcia lenta do trigo: “Onde a outra metade?†Antes que se recolhesse o anoitecer, abraçou o alvor de nada temer. Tudo estaria à guarda da sua fala: “porque, amor, a minha maior ventura é ser-te".
do livro "Vozes & Recortes" Editora Penalux- Contos- 2015.
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