O que tirei do bolso

[Deolinda]

O que tirei do bolso…

A noite vestia-se de solidão,
com um silêncio atormentador.
Com frio e sem sentido, meti a mão arrepiada
no bolso da minha caminhada,
para a encher com um punhado de calor.
Nesse gesto inconsciente, acabei por encontrar
tanta raça de tanta gente que comigo queria caminhar.
Surpreendida com esse achado, de novo meti a minha mão
no casaco da vida esfarrapado.
Dele fui tirando o condimento
com que iria cobrir aquele mundo de gente.
Todos estavam em euforia.
Senti, então, os dedos adormecidos
pelos gestos acometidos.
Numa terceira tentativa, lá meti as mãos outra vez
no bolso remendado da minha vida.
Nada senti, no entanto, de concreto, naquele gesto.
Tirei a mão tristonha por nada ter conseguido, mas,
oh feliz do meu ser, na mão ainda suada,
estava a prova evidente de que é neste
mundo que desejo permanecer.