gdec2001
|
|
« em: Novembro 22, 2013, 16:46:11 » |
|
Quando o deixou, começou a pensar que estava a meter-se pelo caminho perigoso da mentira não só ao seu marido mas também a respeito dele; porém, o desejo de ter um filho, era mais forte do que tais considerações. Durante os próximos dias saÃram sempre juntos mas a sua relação tinha encalhado num impasse que ela não era capaz de ultrapassar, temerosa da reacção dele. O António, no entanto, mostrava-se cada vez mais familiar. Começara a tratá-la sempre por tu, como à s vezes já fazia, anteriormente, e ela imitou-o imediatamente. Em determinados momentos em que havia, ou parecia haver, qualquer dificuldade no trânsito, ele pegava-lhe no braço e, outras vezes era ela que nele se apoiava. Mas ambos afectavam não reparar nestas mudanças do seu comportamento e à s vezes ela se esquecia mesmo, de que ia acompanhada por ele, falando, como que consigo mesma, nos horizontes distantes, nas nuvens do céu e sempre, sempre, nas águas do rio. Geralmente, quando chegava a casa, ainda não estava lá o Mário mas, algumas vezes, já ali o encontrava e antes de ele lhe perguntar alguma coisa, dizia logo porque havia chegado tão tarde, mentindo. E envergonhava-se muito da facilidade com que o fazia. Certa vez ele perguntou-lhe se ela já havia pensado na possibilidade de ter um filho, da maneira em que ele falara, e ela perdeu a oportunidade de lhe contar tudo e, mentindo mais uma vez, disse que não. Um dia, o António disse-lhe: Hoje sou eu quem escolhe para onde devemos ir e levou-a a sua casa . Vivia num pequeno apartamento, sozinho. Os filhos moravam em casa de uma irmã, ao virar da esquina. Então onde é que fica a garagem onde tens a célebre máquina? Ele disse que ficava perto e um dia lhe mostrava, depois, agarrou nas mãos dela e beijou-as com doçura. Ela não estava preparada para ter relações sexuais, nesse dia, pois sabia que era um dos dias não férteis. Na verdade queria ver se engravidava logo, na primeira - e única - vez . De maneira que se portou muito discretamente, nem o afastando nem colaborando muito; atitude que a ele muito agradou. Ela elogiou a decoração do apartamento, que lhe dava um ar muito moderno mas, também, aconchegado, mas ele disse que fora obra da mulher. E entretiveram-se ainda um bocado, falando em coisas sem sentido até que ela disse que precisava de ir para casa e lhe deu um breve beijo, na boca. Ele abriu a porta, rapidamente, mas não ficou zangado. E ela pensou que, agora, a coisa ia bem e que lhe bastava esperar alguns dias, pelo perÃodo fértil.
Quando tomamos banho no rio devemos mergulhar de cabeça.
E continuou a acompanhá-lo e a encorajá-lo e, quando chegou o dia, arrastou-o para a cama. E fingiu gostar muito e até um certo desvario, logo depois que ele se veio. Pensou que devia insistir, porque era muito problemático que ficasse grávida apenas com uma relação sexual. Mas no dia seguinte já não precisou de arrastá-lo: Foi ele que a levou com toda a delicadeza e começou a despi-la e a beijá-la cada vez mais sofregamente. Ela acompanhava-o temendo gostar, o que constituiria, na sua opinião, uma verdadeira traição ao marido, mas temendo também que ele percebesse e se desgostasse. De maneira que na altura certa, perdeu o tino e só se lembrou que existia quando ambos renasceram. Viu então que era muito perigoso, o jogo em que entrara e resolveu desistir, desse lá o que desse.
Quando não sofre ela sofre ele O amor é assim
Ele porém, nada percebendo do que se passava, ficou desesperado e, quando ela se negou, pela segunda vez, a sair com ele, disse, entre dentes, coisas que ela nem percebeu bem ou que, talvez, nem tivessem sentido. E regressou, durante algum tempo à sua condição de homem taciturno mas, quase logo depois, tornou-se cada vez mais extrovertido e até brincalhão e ela soube que ele conhecera uma mulher, com quem andava, e com quem ia casar-se, em breve. Acabei por lhe fazer bem, pensou e alegrou-se, e olhava-o, quando ele não reparava, com um olhar que semelhava o de amor. Ele encarava-a agora, sem ódio e dentro em breve estaria a falar-lhe como costumava fazer antes, ou até, melhor.
Entretanto, mal um mês passado, começou a sentir-se como as mulheres grávidas costumam sentir-se, principalmente com enjoos logo que se levantava e depois de comer, mas tinha medo que fosse apenas impressão dela. Quando, porém, já não podia, sequer, ouvir falar em certas coisas de comer, sem ir a correr para a casa de banho, resolveu ir ao médico pois, na realidade, também deixara de ter menstruação. E o médico confirmou: Ela estava grávida, sim senhor. Ficou morta de alegria e receio pois tinha conseguido disfarçar, junto do marido, aqueles sintomas.
Os problemas comem-nos a lÃngua
Como ia dizê-lo ao Mário. Resolveu ser directa. Chegou a casa, esperou-o decidida e, quando ele chegou, não foi capaz de dizer nada. Que raiva. Antigamente era uma rapariga tão corajosa, tão imediata, tão sem papas na lÃngua e agora tinha medo, mas de quê? E aguentou ainda, naquela indecisão, mais uns meses. Um dia ele disse-lhe, passando a mão pela barriga dela, desnuda: A minha menina está a ficar gordinha. Então ela respondeu: Não é gordura, é a gravidez. Ele retirou a mão, como se se tivesse queimado e ficou silencioso um espaço de tempo. Por fim disse: Sempre o fizeste. E ela: Sim, e começou a querer contar-lhe como fora : Que nem sabia quem era ... E dispunha-se a continuar aquela mentira preparada, quando ele disse: Não; só queria saber porque não me disseste há mais tempo? E ela: Porque não tinha a certeza absoluta, disse; e afligiu-se, porque não sabia quando ia parar de mentir. Ele pareceu acreditar. A Adélia goza de uma saúde, de ferro, como se costuma dizer; por isso, a sua gravidez correu muito bem. Sofreu, porém uma mudança na sua personalidade: Sentia o coração encher-se de ternura sem saber bem a quem a dedicar, porque não era capaz de imaginar o bebé. Na verdade o que lhe vinha sempre à cabeça era a carita da Elsa. E falava só, enquanto enrolava no dedo a linha com que costurava coisas inimagináveis, de tão pequenas. Mesmo quando trabalhava, lá na fábrica, esquecia-se muitas vezes de quem era e apenas existia vagamente perdendo-se em pensamentos de que não sabia o sentido . É verdade que sempre fora muito dada a esta forma de sonhar, acordada, mas tivera sempre o cuidado de se defender dela nas horas do trabalho. Uma certa vez aconteceu-lhe enquanto caminhava, de modo que, quando chegou a casa, não se lembrava do caminho percorrido. Estremeceu pensando que podia ter sido atropelada e começou a fazer abortar o fenómeno, quando não estava sozinha, sentada em sua casa, Mas, nessas alturas, abandonava-se-lhe completamente. E, quando cobrava a consciência inteira, sentia-se completamente feliz.
Sonhos...ou pesadelos
Os nossos piores sonhos são aqueles que não sabemos se são sonhos se são pesadelos.
O Mário tornara-se mais calado do que nunca, com breves intervalos de ternura, mas ela mal reparava nele. Desde há muito que ele costumava recordar , bastante bem, os sonhos que tinha, talvez porque, devido ao seu mau dormir , acordava muitas vezes logo depois de sonhar. Eram sonhos bastante interessantes que ele gostava de recordar e que algumas, poucas, vezes contou aos amigos. Deixou porém de fazê-lo porque notava que eles não acreditavam que ele tivesse efectivamente sonhado com todos os pormenores de que se lembrava. Recorda que uma das vezes um amigo comentou : Tens uma imaginação efectivamente prodigiosa, mas fê-lo com tal acento de admiração que o Mário nem teve coragem de se zangar. Deixou então de se interessar por esses sonhos, que por isso depressa esquecia e parecia-lhe mesmo que, ultimamente, deixara de sonhar. Agora, porém, os sonhos que deixara de ter transformaram-se pouco a pouco em pesadelos que na verdade se repetiam até à exaustão ainda que com ligeiras alterações.. Num deles antecipava o parto da Adélia . E havia duas coisas que o afligiam muito naquele sonho . Uma delas era que ele assistia ao parto dissimuladamente sem que a Adélia soubesse e desse por ele . A outra questão inquietante era que, por mais que tentasse, nunca conseguia ver a criança que nascia e ele dava-se a pensar, no meio do pesadelo, se ela seria realmente uma criança . Se não seria já um adulto ou mesmo, outra monstruosidade qualquer . A Adélia parecia não sofrer nada com tudo aquilo. Ria-se mesmo. Umas risadas esganiçadas, a avaliar pelo esgar que fazia, e que não eram nada dela. Pareciam de outra pessoa e reparando bem também ela não era ela, por vezes. E este pesadelo nocturno transformava-se em pesadelo de dia pois não podia contá-lo a ninguém nem o esquecia porque quando isso estava prestes a acontecer voltava a sonhá-lo. Outro pesadelo era bastante mais estranho porque não parecia ter nada a ver com as suas preocupações, no momento. Via ele um homem que era seu amigo, conduzindo um velho acorrentado que sabia ter sido condenado à morte . E ao mesmo tempo que sabia que o seu amigo –que, no entanto, não identificava- era obrigado, por dever oficial, a conduzir aquele homem, não deixava de achar muito estranho que o fizesse pois sabia-o contrário a tal penalização. Entretanto verifica-se um qualquer sarrabulho entre aquele par que ele contemplava a uma certa distância. Vê, então, o seu amigo conduzir nervosamente o homem para o encostar a uma parede . Retira uma pistola do bolso e aproxima-lha, agitadamente, da têmpora . Não atira porém . Coloca-se ele próprio no muro, ao lado do homem acorrentado e encosta agora a pistola à sua têmpora . O Mário não ouve o tiro – todos estes pesadelos são, completamente mudos - nem vê cair o seu amigo porque acorda sufocado de angústia. Será que o seu subconsciente pretende ensiná-lo de que vale mais morrer do que trair-se ? Que exagero !
Um filho finalmente...?
|