Era a situação dos 15 anos, o tempo embuçado nas nuvens cinzentas e num átrio de calçada que cerrava o plano central do meu colégio, os miúdos reunidos, as corridas nos corredores, as salas, a cor dos azulejos vermelhos que diziam o nome da instituição, ou o sÃmbolo.
Era eu a dizer palavrões, caixotes deles, esguichadas de palavrões, um bailado de obscenidades do lÃmpido apogeu da adolescência minorca. No entanto, um senhor de casaco preto, tÃpico casaco da Lacoste sobrevém do vazio misterioso, adornado de névoa pluvial, reparei que não me queria punir como primeiramente pensara. O meu coração esmurrava o meu peito como se confecciona a batata assada. Cada palavra que me dizia abria um novo mundo que lacrava o anterior dos meus olhos, um mundo anterior que me fazia lembrar a pré-história em que dinossauros se devoravam cabalmente, ou a época medieval em que não havia leis, cada um por si, cada um por si… sobrevive a fortaleza, não ficam as catapultas nem os soldados.
Mais tarde aquele senhor, que conhecera, tornou-se o meu pagode, a minha sinagoga, a minha mesquita. Via nele a inteligência suprema. O que me moderava, o que me encrostava ao real e me impedia que me tornasse numa criatura moribunda sem inteligência, fé ou crédito.
Ele era o exemplo de consciência, de conhecimento, de manter a lucidez após um dilúvio de álcool, conhecia matemática como eu sabia respirar, era um supremo mestre e eu não me esqueceria disso. Só era hábil a ponto de perceber que seria a minha inspiração no dia-a-dia, o que me sucumbia, o requinte dos seus ensinamentos eram previdentes e categóricos, não comportava lascas no julgar, no agir, no pensar.
Era o meu mestre, a minha mestria, que me presenteou outra dimensão, nada porque tinha um casaco preto alegórico ou avultava intelecto, ou por ser o meu Ãdolo, ou parecer uma estátua sem cume na qual eu poderia procurar as bibliotecas da experiência deste Universo, era pela sua personalidade, pela simples oferenda da vaga, da metamorfose, da ocasião, era por me fazer sorrir e trazer alegria e por ser a melhor pessoa do mundo, estimar a ajuda aos outros e também saber ser sério quando era preciso e algo punha em causa a competência ou a virtude deste mundo, mas era sério sempre a brincar e dava oportunidade.
Por essa razão foi o meu mestre. Aprendi com ele o que pude e o que não pude. Era um mestre involuntário. Meramente aproveitava a sua companhia e o seu conhecimento. A sua ciência. Ele engraçava com Matemática e era o que bastava, uma parte do seu gosto passou para mim. Iria aprender. Seria o meu mestre sem saber disso. E achava-o a melhor pessoa do mundo. Dizia-me que o que mais importava na vida era acordar e adormecer a sorrir, por vontade própria.
O mundo seria diverso se ouvissem essas palavras.
E não era o casaco preto nem o fanatismo pela natureza, ou a crença irrevogável, ou a ocasião, era desvendar um mundo firme e nele assumir tudo sem que pregar e ser fossem dois verbos desordenados.
Eram os meus 15, 16 e 17 anos. Graças a Deus que os tive.
Ah, por escárnio da existência ou mera simultaneidade também eu tinha um casaco preto.
Ao meu mestre...