Tu,

[Teresinha Ferraz]

Gastas-me.
Gastas o som do vento que fez os nossos cabelos voar vezes sem conta nos invernos que passamos juntos, gastas os olhares de desaprovação e as palavras de adoração que disseste em vão, gastas as vezes em que te dei a mão, gastas as vezes em que me tocaste no coração com gestos repetitivos em forma de círculo como quem toca na pele de outrém pela primeira vez, gastas os beijos de Bom Dia e as despedidas ao fim da tarde, gastas as vezes em que partilhamos segredos e devaneios, gastas todas as poucas vezes que estivemos sós e apaixonados, gastas a tua vida que eu sempre tive como exemplo e hoje tenho como erro.
Gastas-nos ao ponto de nos agradar gastarmo-nos. Gastas-nos ao ponto de me sentir melhor com o drama que se faz sentir de cada vez que, agora, nos reencontramos na rua e, mesmo causando uma enorme tensão, os passos continuam... com a mesma velocidade, com a mesma intensidade, com o mesmo ritmo. Não tão forte como os nossos corações quando se reencontram, mas extremamente rápido também. A vontade de fugir é grande, e a força com que caímos de novo na 'nossa história', também. Fazes-me sentir perdida no meu próprio domínio, até porque tu fazias parte dele, e hoje já nem me recordo da tua voz. Mas recordo-me do teu cheiro, da tua pele morena, do teu olhar doce, dos teus tiques de menino-homem, do teu sorriso contagiante e do teu cabelo sem corte. Talvez seja minha a escolha não me lembrar da tua voz, ouvi o que não queria pois fizemos o que quisemos, sem pensar.
Recordo-me da tua caligrafia nas frases que me escrevias no centro dos meus cadernos e blocos de notas, nunca de amor, sempre de desejo. Recordo-me também do teu toque, fazia-me tremer as mãos e os joelhos, tudo ao mesmo tempo, que nem marioneta. Sentia-me segura na situação mais frágil da minha vida.
Hoje já não me magoas, mas gastas-me a paciência e o amor que ainda tenho por ti.
Ontem foi a primeira vez na minha vida que não me lembrei de ti, e não gostei.

[Goreti Dias]

Uma belíssima prosa poética!

[Tim_booth]

Deixaste-me a pensar se não gastei eu já demasiado outras pessoas e se, para elas, ao contrário de ti, deixarem de se lembrar de mim não era uma coisa boa...

Belo texto, fogoso, quente, e doloroso simultaneamente, carregado com umas quantas pinceladas de saudade.

Cheers