Tere Tavares
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« em: Dezembro 27, 2016, 21:59:24 » |
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Sonhos e estações
Maria caminha. Dispersamente. Sair do aprisionamento que a veneração ao eu e seus tentaculares perigos edificou reivindica um esforço hercúleo. Uma vida inteira pode não ser suficiente para mover-se ao encontro do outro.
“Alta é a tormenta dos verbos inúteis. A escuridão cobre quase tudo e, nesse quase, por momentos, deposito a intenção de atrair algo que me valha. Não são os livros, capas expostas, as necessidades, as falas obrigatórias impondo-se à vida. Nem a chuva é responsável por essa suavidade que me escava. Nas minhas linhas repousa o instante inaugural de tudo o que existe. Os apontamentos e os olvidos veem-se assustadoramente atordoados. É da vaidade a culpa de tantas pérolas mortas. A morte é um adormecer que não sonha. Porém, as flores sempre voltam mesmo que as raízes não existam. Indignamente sobrevivo sem saber se me cubro com a sanidade. Vou-me para o limbo antes do fogo ser armamento. Quem me dera sentir-me algo mais adiante do barro – sou minúcia a tentar escapar do que causa sofrimento, a ventania anunciada na falta. Tenho amor ao caminho que se estende às minhas frações. Velo por suspiros – que partir é próprio deles.
Despeço-me feito um cálice de magnólias pueris. Ao longo da praia geme a garça, algo que lembra o escárnio, um apelo com retalhos de Salomão e mãos de Pilatos. Não há retorno do que se gruda na ancoração, espaço ingrato afundando as marcas do rosto, num fazer crer que há horas sem cor. Beijam-se as agitações supremas das marés. O aspecto turvo de infinitas lonjuras dá-me avisos. Eu passeio nas tocas rochosas e suas espontâneas explosões que são outro início dessa captura imensa. Bamboleios banhados de beleza. Sou essencial para despertar em ti a felicidade. Ama-me”. O Amado retorna. Com a brevidade dos falcões. “Ouvi que me chamavas. Quero acolher o teu eco Maria. Vem comigo”. Forma-se um dueto inidentificável. Há música. Há livros para pontuar. Águas com sede. E sedes comungadas. “Um rebordar sucessivo nos tatua e nos enfaixa numa eterna juventude, tornando-nos senhores de um intervalo em que tudo se oferta sem o peso das conveniências. Somos os cúmplices afagos que nos estreitam nas lentas emoções a satisfação irrepresentável, o sorriso ancho. Críamos essa ambientação bilateral e incoercível. Confiamos no que traz o dia seguinte, que, afinal, apresenta-se, paulatinamente, posterior a nós. A complacência absorve-nos como se tudo nos pertencesse. O sulco retrátil do erro limita o curto alcance dos membros como se estivéssemos no curso imediato de uma catástrofe – um estampido. Nada compreendemos desses instantes desatados. Nada sabemos da evasão ou da perda, das angústias que nos atravessam até que saibamos dessa leveza que é superá-las. Da estática fotografia sem vestígios nem desaparecimentos. De quanto a existência nos empresta seu máximo aplauso para transportarmo-nos sem fugas. Eu e tu Maria. Amo-te”.
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