O MEU VIZINHO MAJOR

[josé antonio]

Calcorreia várias vezes ao dia os passeios, sempre impecavelmente trajado, calças vincadas, gorro preto modelo russo, luvas pretas, mesmo no verão, como símbolo de autoridade e diferença. Já lhe contei várias vezes, três ou mais mudanças de indumentária no mesmo dia. No primeiro encontro que tivemos acidentalmente, numa esquina do prédio, informou-me, em conversa amena de vizinhos, que tinha sido colega do Zeca Afonso, na universidade, que fora do Ministério Público e Major.
Os poucos dentes que possui atraiçoam bastante a sua pronúncia, donde a maioria das palavras só as conseguimos identificar por algum seguimento lógico, adaptado e adivinhado da conversa.
Ciente da sua autoridade como Major, ou do Ministério Público aposentado… acompanha todos os seus percursos, com palavras tendentes a manter a ordem, por conta própria, apelidando de malandro ao individuo que estaciona no lugar da praça de táxis, do palerma que interrompe o trânsito por querer aproveitar um dos poucos lugares junto ao passeio, para o parvo que mesmo ouvindo o protesto do cláxon do individuo que quer sair da garagem obstrói a mesma, e muito mais.
Vigilante, denunciador, corretivo e pedagógico.
Pena a falta de dentes não o ajudar na pronúncia correta e percetível das palavras para se fazer impor perante tanto parvo.
Quando mais enervado, ouço-lhe o mau caráter à distância, tudo reclamando, reprovando e tentando colocar na ordem, ou não tivesse sido Major, pelo menos no seu imaginário.
Quando nos cruzamos no passeio, trocamos alguns minutos de diálogo quase impercetível mas de que ele gosta e respeita, tirando a luva preta da mão direita para me cumprimentar e se despedir com uma afável, e quase inatendível. Até Logo!
Mesmo sem eu ter sido Major nem do Ministério Público, muito menos colega do Zeca Afonso.
 

[Goreti Dias]

Tirar a luva já é muito bom. Para um Major assim...