Laura Azevedo
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« em: Junho 17, 2010, 21:56:42 » |
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Um ponto. Escrevo um ponto no primeiro lugar que precisa de palavras. Desenho um ponto, assim, no lugar onde se deve escrever o tÃtulo, no lugar que aspira simbolizar a essência do texto que se segue, no lugar que é a alavanca para a curiosidade, a semelhança, a aproximação ao outro, a coerência com quem escreve. Desenho um ponto no primeiro espaço que tenho de preencher porque o seu vazio, a sua ausência, o seu ainda nada, me incomoda, me irrequieta. Queria escrever sem ter de pensar nisso: no tÃtulo. Despejar as emoções como sacos cheios de tudo, sem ter depois de separar cada pedaço, sem ter de o catalogar, estereotipar, sem ter de lhe dar imperativamente um sentido. As emoções são isso: o tudo e o nada, quente e fogo, a urgência derradeira e, simultâneamente, no segundo seguinte, ou no minuto, ou dez minutos mais à frente, ou um gesto mais adiante, ou uma palavra a mais dita, a calma, a indiferença, o quase não sentir. Queria sentar-me, aqui, e ser capaz de começar de uma ponta das emoções e terminar só na outra, quando já estivesse satisfeita da minha análise, ciente de ter descrito tudo ao mÃnimo detalhe, de não me ter escapado nada – nenhuma emoção importante, ou não – e de estar saciada de mim, saciada daquilo que somos, sem palavras ainda por escrever. Encontrar uma lógica para as emoções, ou simplesmente não encontrar lógica nenhuma e nem sequer me importar com isso. Ter capacidade para mostrar que o interior humano é tão vasto e tão genuinamente cheio de sentimentos e emoções contraditórias, sem sentir culpa pela ilógica que possa transmitir. O caos não é demência, nem tristeza, nem doença. O caos é estar vivo. É sentir com intensidade, viver de peito aberto, ter esperança, tentar compreender a imensa capacidade humana de sentir os mais diversos sentimentos e emoções. O caos é olhar para dentro e não mentir sobre o que se vê: a nós próprios. E não ter vergonha de o mostrar. Sobretudo, queria escrever sem ter de me preocupar com o tÃtulo. Não é o caos - o seu sentido - que me preocupa. Não é a coerência eventualmente perdida. É o tÃtulo. Este factor que, na maior parte das vezes, descredibiliza o conteúdo, que joga as emoções contra a parede e lhes grita, com um ar altivo e arrogante: “Enquanto não decidires um tÃtulo decente, não és nada com sentido!†Hoje, especialmente, apenas porque sim, apenas porque me apetece, apenas porque quero, apenas porque preciso, apenas porque sou eu que decido, um ponto. Um ponto que poderá ser um ponto de luz, ou um descuido de tinta que calhou ali, ou um tropeção no teclado que o fez aparecer ali, ou um ponto negro no meu nariz, ou um ponto indicador de onde deverá depois ser escrito o tÃtulo do texto. Ou não. Talvez não seja nada disso. Talvez seja apenas um ponto que poderá ser o ponto final de um assunto. Ou de uma fase, de uma etapa.
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