Antonio
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« em: Fevereiro 18, 2008, 18:39:32 » |
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Este é o primeiro artigo de uma série em que escrevi sobre as minhas experiências em Ãfrica
A quatro de Fevereiro de 1974 parti para Luanda a fim de cumprir a parte mais importante do meu serviço militar, no NRP Rovuma, como oficial da Armada Portuguesa. (NRP = Navio da República Portuguesa). Tropa boa! O Rovuma era um navio patrulha, fabricado nos estaleiros do Alfeite, se bem me lembro, juntamente com outros da mesma classe e que, por isso, eram iguaizinhos. Ainda navegam. Tinha uma guarnição de pouco mais de 30 homens, sendo só três os oficiais: O Comandante Silva Dias, elitista e "bon vivant", casado com a bela francesa Jacqueline, foi mais tarde capitão do porto de Viana do Castelo, como já o havia sido seu pai. Faleceu há dois ou três anos. O Imediato, Fernando Ribeiro e Castro, jovem oficial do quadro, tinha acabado um ano antes o curso da Escola Naval onde fora considerado o melhor aluno dos últimos vinte ou trinta anos. Era filho do Governador-Geral de Angola em funções, o Eng.º Santos e Castro que, nos anos sessenta, fora Presidente da Câmara de Lisboa onde ficou conhecido como o Engenheiro dos Viadutos, pois do seu legado fazem parte vários viadutos que na altura foram muito importantes para desanuviar o já então complicado trânsito na capital. Curiosamente, o número dois na hierarquia provincial (ao tempo, as colónias eram chamadas de provÃncias ultramarinas) viria a ser o candidato a Presidente da República apoiado pela Aliança Democrática liderada por Sá Carneiro (que morreria tragicamente no último dia de campanha). Seu nome, Soares Carneiro. O irmão mais novo do Fernando, por coincidência, foi este fim-de-semana eleito como presidente do CDS-PP. É o Dr. José Ribeiro e Castro. O Fernando, com quem partilhava o camarote no navio, casou no ano seguinte com uma jovem chamada Leonor e hoje tem nove (leram bem...nove) filhos, sendo o presidente de uma associação de pais de famÃlias numerosas. Finalmente, o 3ª oficial era este vosso escriba, o único miliciano. Mas porquê tanta ênfase na pessoa do Imediato do navio? Porque no dia vinte e cinco de Abril de 1974, quando deixávamos o navio que estava atracado ao cais da Base Naval de Luanda para ir almoçar à messe dos oficiais, Ãa eu começar a descer a prancha quando o Fernando voltou a entrar com uma cara de espanto: - Houve um golpe de Estado em Portugal. O SpÃnola tomou o poder. Eu fiquei embasbacado, porque um sonho de muitos anos aparecia como realidade. Já não sei o que disse ou deixei de dizer. Lembro-me que não tive grandes manifestações de júbilo, naquele momento, pois ainda demorou um ou dois dias a termos a certeza de que o golpe militar resultara, e até porque havia ocorrido um outro pouco mais de um mês antes, nas Caldas da RaÃnha, que tinha abortado. Mas também a cara de decepção do Fernando, que resmungava: - Foi o palerma do Tomás quem estragou tudo. Se tivesse deixado o Marcelo fazer o que queria, isto não teria acontecido. Agora tudo isto vai ser independente. Lá se vai o nosso Portugal! Dizia eu que a cara do Fernando inibia-me de, por educação, ter manifestações de júbilo. E lá fomos para a messe. Comecei a falar com os meus amigos ou colegas do reviralho, e conforme Ãamos sabendo novidades, os sorrisos e as manifestações de alegria começaram a subir de tom. Havia grupinhos e falávamos baixinho. Ainda tÃnhamos de aprender a viver em democracia e liberdade. Nós, e quasi toda a gente. Curioso, foi também observar o rosto fechado dos oficiais mais graduados. Não se manifestavam, salvo um ou dois. Mas nos dias seguintes começaram a mostrar um sorriso que deixava adivinhar que, ou já eram opositores do regime e estavam a ver em que paravam as modas, ou eram a favor e estiveram de quarentena a mudar a casaca! Alguns não mudaram. Honra lhes seja feita! E o meu 25 de Abril foi assim! Sem cravos nem multidões, lá longe, na Ãfrica meridional. Parabéns para os que conseguiram chegar ao fim deste texto chatinho, mas pelo menos não escrevi as banalidades do costume. Procurei dar uma imagem com algum ineditismo. Consegui?
(escrito em 25 de Abril de 2005)
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