Nação Valente
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outono
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« em: Outubro 21, 2017, 00:23:45 » |
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Um almoço anunciado, que merece uma crónica, porque não é um almoço qualquer. É um almoço que implica a apresentação da Colectânea Arte pela Escrita Dez. Dez anos é muito tempo de escrita na nossa curta existência, mas não é nada na infinidade do tempo. Por volta do 4º milénio AC, foram registadas para a posteridade, as primeiras informações sob a forma de escrita cuneiforme ou hieroglífica. Depois o mundo das ideias ficou para sempre prisioneiro em letras e números. A epopeia de Gilgamesch, cerca de dois milénios depois é já a arte de narrar. Milénios passados mantemos a ligação umbilical com essa gente que iniciou a longa aventura a que chamamos história.
Nessa gesta da evolução do pensamento, representado em caracteres, somos uma gota de água que se desfaz com o sol matinal. Mas para nós, são muitas horas a escrever, muitas palavras, muitas frases feitas ou inventadas, muito boa prosa e não menos boa poesia. Dez anos de partilha, de convívio entre gentes de variados lugares, irmanados no gosto da arte da escrita. A escrita é a outra face do pensamento. Sem ela as ideias perder-se-iam nas brumas da memória. Sem ela a evolução ficaria enredada num labirinto sem saída. A escrita marca a saída da pré-história para a história. Em boa hora os Sumérios começaram a registar os pensamentos em placas de argila. O seu quotidiano, o seu presente, logo passado. Em boa hora se inicia o texto de literário. O que é Gilgamesch senão um acto poético? Passados mais de dois milénios os que pegam na pena para escrever estão a dar seguimento a esses escribas anónimos que inventaram a escrita.
Tem que se reconhecer o importante papel desempenhado pelo Escritartes, na divulgação de muitos escritores, que encontraram aí um espaço aberto e livre, onde palavras ganham vida e chegam aos apreciadores de textos literários. Do mesmo modo, merece louvor a editora Mosaico de Palavras, que permitiu aos autores ver o seu trabalho passado a letra de imprensa, e deste modo, abarcar outros horizontes. E mesmo que dez volumes da colectânea, sejam apenas uma gota de água no vasto panorama literário português, decerto que acrescentam mais-valia à nossa literatura. E até me atreveria a dizer, mesmo no papel de advogado em causa própria, que, seguramente, sem este acervo literário, a nossa literatura não seria a mesma.
Depois deste longo intróito, e passando a coisas mais prosaicas, como participante, com muito prazer, deste site, estive mais uma vez presente no lançamento da obra, antecedida do já tradicional almoço entre os seus autores. Sim, porque a vitalidade da família Escritartes não seria possível sem a importante vertente emocional, expressa no convívio e na amizade, que está muito para além do mero aspecto cultural. Foi nesse sentido que me pus a caminho até à cidade invicta. Eu moro longe, muito longe, embora o conceito de lonjura, seja sempre relativo. Desta vez, por falta de companhia disponível, deixei o quatro “patas” e resolvi ir de comboio. E mesmo sem TGV a viagem foi rápida, agradável e em boa companhia. Pude assim conhecer outro ambiente e perscrutar outra realidade. Na carruagem em que viajei, pude constatar a presença de um status cosmopolita. Gente de várias nacionalidades, como ingleses ou asiáticos que quinhentos anos depois nos redescobriram. Gente jovem, ligada aos seus “ai podes” , ouvindo pelos seus “ai fones” estando ao mesmo tempo em vários lugares. Parece-me malta do Erasmus, mas não sei. Sou curioso, mas não enxerido. Não vou perturbar no seu mundo. Portanto, imagino. Na minha imaginação são os novos navegadores, talvez na esperança de se descobrirem também a si próprios.
Cheguei ao almoço um pouco atrasado mas a tempo de usufruir do repasto. Ainda vi o caso mal parado, mas logo a Goreti, mestre-de-cerimónias, solícita, me arranjou um lugar. Logo os empregados,, simpáticos, me trouxeram os pitéus previstos. Uma menina, sorridente, até me perguntou se ia beber vinho. E eu numa decisão instantânea, que me surpreendeu, respondi: claro. É que a alternativa que vi por perto era água. Ora como diz um amigo meu, bom garfo e melhor copo, a água enferruja os interiores. Além disso lembrei-me que o vinho, com as devidas actualizações, dá de comer a mais de um milhão de portugueses. Comi bem, convivi com gente feliz, sem lágrimas, e ainda ganhei um livro numa rifa. Coisa rara, por falta de sorte ao jogo, mas talvez de sorte ao amor. Pois, não se pode ter tudo. Seja como for, garanto que não corrompi os “rifeiros”. Palavra de escuteiro. Assisti a uma boa declamação de poesia por Dionísio Dinis e Alice Santos, que ainda me surpreendeu com um belo canto. Parabéns. A escolha do poeta Manuel Alegre foi feliz. E Adriano Correia de Oliveira que musicou e deu larga visibilidade ao poema merece ser lembrado. Pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz. Outros tempos onde a liberdade de pensamento e expressão estiveram reprimidos, mas não abolidos, pois como diz o outro poeta, Manuel Freire, não há machado que corte a raiz ao pensamento. Nada apaga a luz que vive num amor num pensamento porque é livre como o vento porque é livre Porque é livre como o vento, na apresentação houve uma resenha das dez publicações pelo escritor/editor Vítor Rocha. Goreti e Dionísio concluíram a apresentação do último volume da colectânea, que já deixa saudades. Mas se a saudade é passado o presente é porta do futuro. E esse ainda está por construir. Acredito que os escritartianos cá estão para o fazer, com a sua participação, porque sabem que os tempos mudam, mas que o espírito na sua essência permanece Mas há sempre uma candeia dentro da própria desgraça há sempre alguém que semeia canções no vento que passa. Semeemos pois, esta e muitas outras crónicas, contos, poemas…amizade… Cota-diano
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