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Autor Tópico: AS SIRENES  (Lida 6313 vezes)
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josé antonio
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escrever é um acto de partilha


« em: Janeiro 26, 2009, 19:27:31 »





                   Desde muito pequeno que se habituara à voz das sirenes. Graves, agudas e roucas. A sirene do farol, a da peixeira à porta de casa, mais tarde a da libertação para o recreio e recolha à sala de aula e muitas outras sirenes de escola gémeas e só agradáveis para o toque de saída para os intervalos. E no final das aulas.
                   Já homem feito e bombeiro voluntário habituou-se à sirene mais forte de todas. A do quartel nos momentos de chamada para a aflição. Essa sim, dona duma voz sem concorrência possível. E assim começou a sentir-se quase incapaz de sobreviver sem uma sirene por perto. Mesmo que mais fraca que a do quartel. Que forte demais, essa.
                   Acabados os estudos atirou-se para a sorte dum emprego. Qualquer um. Mesmo que sem sirene por perto. Experimentou o que lhe ofereceram: vendas, publicidade, vendas, distribuição, vendas, até cair no pavilhão duma fábrica. Com vozes entontecedoras de máquinas carrascas para o ambiente e audição dos operários. Mas tinha de ser e depressa se habituou. Como se familiarizou com a nova sirene que anunciava o início do trabalho, os intervalos para o almoço, depois para o jantar e fim do turno.
                   Mais tarde, já ele com dois anos de casa começou a servir para anunciar os simulacros de incêndio da preparação de todos para o pior, que infelizmente aconteceu numa manhã desgraçada com labaredas por todos os lados em toda a altura dum armazém sem ninguém a valer-lhe porque debitando quase 900 graus de temperatura. E desaguaram então em redor do edifício sirenes desesperadas provenientes de todos os sítios. De perto e de longe. Com vozes diferentes mas com o mesmo pregão – deixem-me passar! -.  Todos lutaram até enterrarem o fogo. E a sirene tocou, mas tocou diferente dizendo que o fogo tinha sido vencido, daquela vez. Foi tempo de varrer, lavar e retomar o trabalho, desejado, porque necessário para sobreviver, por todos.
                   Decorridos quatro anos de pacato mas incansável trabalho a sirene da fábrica tocou pela última vez. Com voz trémula. Sentida ou fingida. Pouco importa.
                   Chegado a casa, o filho, pimpolho de três anos, habituado que estava à sirene da fábrica como os idosos nas aldeias isoladas habituados ao sino da igreja, começou a imitá-la com o som que conseguia produzir.
                   Ele, homem responsável e com a vida para viver, concorreu e foi admitido para condutor de ambulância.
                   Começou a correr a cidade na companhia duma sirene, muito perto de si. Sem o incomodar.
                   E o pimpolho do filho quando a ouvia, vinha à varanda e dizia olá à sirene que para ele, era sempre o pai.

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josé antonio
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escrever é um acto de partilha


« Responder #1 em: Janeiro 26, 2009, 19:47:37 »


Olá Luís Filipe (Vi...) Pereira,

A nossa amiga Mel confessou-me já ter escrito um milhar de poemas, eu se calhar já escrevi cerca disso em contos, e este, pessoalmente considero dos mais sentidos, arrancado á reflexão de mais uma fábrica que fecha e obriga os empregados e refazerem as vidas. Reescrevê-lo-ei pela triste actualidade que contém e alerta que com ele pretendo trazer.
Grande abraço
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Goreti Dias
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« Responder #2 em: Janeiro 26, 2009, 20:26:29 »

A tudo ou quase tudo se habitua o ser humano. As sirenes dando o ritmo do tempo, traçando a dor e a desolação...
Uma descrição bem apresentada, palavras escolhidas ao pormenor, o homem que perde a sua humanidade para se tornar ele mesmo a sirene. Muito bom!
Abraço
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Goretidias

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josé antonio
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« Responder #3 em: Janeiro 26, 2009, 21:23:50 »

Olá Goreti,

Palavras para quê?
Sériamente, o toque da sirene na empresa aonde exerço funções, está a emergir cada vez mais, a cada toque que dá, como sinal de salvação! Só que não sabemos até quando e daí a frustração. Deixou de ser o toque do início ou fim do trabalho para ser o toque a finados, como num cemitério qualquer ( valha-nos deus...).
E esta é a radiografia do país, pudera do mundo que herdámos ou construímos. E agora? Seremos sirenes para aviso dos incautos ou apoio aos atingidos?
Abraço
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britoribeiro
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« Responder #4 em: Janeiro 27, 2009, 11:58:32 »

Concordo! É um texto muito sentido e quem passou pelo drama de perder o trabalho e refazer a vida do nada, encontra-lhe um "sabor" especial. Parabéns!

Abraço
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Luis F
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Nas asas do sonho, escrevo...


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« Responder #5 em: Janeiro 27, 2009, 12:05:27 »

Amigo Zé

Um excelente texto que gostei não só de ler, como senti as tuas palavras.

E assim vai a sociedade hoje

Um abraço
Luis
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josé antonio
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escrever é um acto de partilha


« Responder #6 em: Janeiro 27, 2009, 18:25:17 »

Olá Britoribeiro,

É bem verdade, amigo.
Abraço


Olá Luís,

É o que temos, ou geramos ou herdamos, Luís.
Mas mal por mal mais vale a arrumação dos "caixotes".
Que boca foleira...
Abraço
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damasco
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Frase é uma palavra. Palavra não é uma frase.


« Responder #7 em: Janeiro 29, 2009, 19:57:19 »

Uma vida a toque de sirene; ou, melhor dito, a vida do homem que foi guiado pelas sirenes, passou a conduzi-las e, finalmente, transformou-se numa. Muito bom, José António.
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josé antonio
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« Responder #8 em: Janeiro 30, 2009, 10:47:12 »

Olá Damasco,

E cada vez mais andamos ao toque das sirenes, tontos e sem rumo!
Abraço
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josé antonio
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escrever é um acto de partilha


« Responder #9 em: Fevereiro 01, 2009, 09:56:37 »

Bom dia Dite

Está feita mais uma interpretação com a sua qualidade.
E mais umas linhas estava escrito mais um conto de sirenes muito melhor que o meu, se calhar já com a sereia dinamarquesa...
Abraço
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E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
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Boa tarde
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Obrigado, Administração, por avisar!
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Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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