Maria Gabriela de Sá
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« em: Setembro 22, 2013, 18:17:24 » |
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Longe de casa há quase dois meses por razões sobejamente conhecidas, designadamente o nascimento da Joaninha, de vez em quando vou lá dar uma espreitadela. Entre o Porto e Aveiro é um suspiro e tem de ser. A senhora que faz lá limpeza tem estado relativamente dispensada, além de que tem pouca iniciativa. Pode ver uma batata a tresandar a podre na cesta que dificilmente a deita no lixo. Assim como à s maçãs, ou seja o que for que esteja na fruteira. Na penúltima vez que lá fui, tinha a cozinha mal cheirosa, por causa disso e do lixo que ela se esqueceu de por na rua. Não fui eu que o lá deixei, foi ela, num dia em que trabalhou por sua conta e risco, sem a orientação da "patroa". Às vezes julgo que, por qualquer razão, a intimido e não será caso único pois, ao longo da minha vida, tive muitas vezes essa sensação, que eu intimidava as pessoas. Talvez intimide algumas, não sei... Hoje, lá fui mais uma expurgar os pontos negros da minha ausência, embora o meu pretexto fundamental fossem as plantas, do interior e da varanda, onde as sardinheiras envelheceram prematuramente à custa de rios de sede. Arranquei do Porto confiante nos poucos litros de gasolina do carro. Dado o baixo consumo dele, seriam suficientes para me levar ao destino, pensei, embora, desde logo, acreditasse que a coisa haveria de ser relativamente tangencial. A margem de manobra seria, contudo, suficiente até eu chegar à bomba de gasolina low cost onde habitualmente abasteço. E eis-me a um escasso metro e meio da mangueira, quando o carro se recusa a dar, sequer e de mote próprio, mais um passo. E o cliente de trás a pensar, certamente, "mais uma mulher aselha", o que não deixa de ser verdade. Mas não naquelas circunstâncias. -O que quer?- digo eu-, o carro não tem gasolina! - Ops!... Fui pedir ajuda à menina do caixa. - Faça um pré-pagamento e depois abasteça. - Mas como? 0 carro não chega à bomba!... - Ah! Pensei que não sabia abastecer - pela segunda vez tinha acabado de ser considerada de facto uma aselha velha e crónica. - Vamos pedir ajuda e vamos empurrar. Lá teve o homem de sorriso amarelo de me levar ao sitio certo para eu desobstruir a via. - Teve sorte, disse a rapariga. - Pois tive! Nunca me tinha acontecido tal coisa. Em casa, constatei que as coisas estavam todas quase bem. E digo quase porque a roupa passada não estava como eu gosto, mas isso são chinesices. Eu, quando trabalho para outras pessoas, também não devo fazer tudo como elas gostam. Adiante, cada um faz como sabe, ou quer, ou seja lá o que for. A excepção eram mesmo as plantas e a salsa, que estava toda espigada. Não havia grande correspondência na caixa do correio, quero dizer, facturas para pagar. É o que se recebe hoje em dia. Quase a regressar, lembrei-me de ir à garagem... - Raios, onde devia estar um saco de batatas estava um monte de vermes. De novo me confrontei com um cheiro nauseabundo, ao mesmo tempo que me lembrava de ter mandado, há cerca de um mês, a minha técnica de limpeza dar uma geral na casa do meu carrinho. Não há duvidas nenhumas. A senhora não dá mais, tem o fio da iniciativa demasiado curto, não estica, não se ultrapassa a ela própria. Não acredito que há um mês não se fizesse sentir na garagem um razoável cheiro a batatas podres, mesmo depois da limpeza que ela, supostamente, lhe devia ter feito, deitando algumas garrafas vazias ao lixo, inclusive. Eu devo mesmo intimidar as pessoas...Devo inibir-lhes até o odor, por-lhes ainda mais nós nos dedos... Por fim, deu-me para ir ver os feijões e verifiquei também que os besouros têm vindo, há não sei quanto tempo, a comer valentes feijoadas à minha custa e de quem teve a generosidade de me dar os feijões e as batatas... A garagem estava, toda ela, mesmo entregue à bicharada. Dois prejuÃzos no mesmo dia. Salvaram-se os brancos, quero dizer, os feijões. E a safadinha da bebé que não há meio de dormir. Enfim, hoje dediquei-me a falar da coisa privada e doméstica, um dia destes, quando me der na gana, talvez diga umas coisinhas acerca da "res publica", se o meu latim não falhar...
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