Acabou-se a morte - disse a si mesmo - Já não existe.
-Lev Tolstoi, A morte de Ivan Ilitch
“A morte de Ivan Ilitch†é o meu primeiro objecto de estudo neste cantinho acabado de nascer. Sabe-se por aà que as regras foram feitas para serem quebradas e a minha regra de privilegiar autores de lÃngua portuguesa não é excepção. Para demonstrar isso mesmo abro com um dos grandes da literatura Russa e Mundial: Leão Leo Lev Tolstoi.
A edição que tive o prazer de folhear abre com um breve prefácio de António Lobo Antunes em que o português se descarta de definir este livro, que é na verdade, indefinÃvel. Há quem diga que é um livro sobre a morte e há quem diga que é um livro que nega a morte. Mas de que trata afinal esta obra que tem a própria palavra maldita na capa?
Da vida, respondo eu. Da vida que tem como consequência inevitável a morte. Consequência ou continuação, mas nesse campo vai da fé de cada um. “A morte de Ivan Ilitch†não é mais do que um simples relato da vida de Ivan Ilitch Golovin, um homem honesto e decente que sempre viveu com rectidão, como ele tantas vezes faz questão de frisar, desde a sua infância até à penosa hora em que expirou pela última vez.
O que realmente espanta neste pequeno livro (112 páginas apenas) é a simplicidade com que o autor aborda temas tão pantanosos como a morte e a vida e a maneira directa como o faz. Somos guiados quase sempre na terceira pessoa seguindo os passos do jovem juiz em ascensão Ivan, saltando por vezes para dentro do seu pensamento e, mais perturbador ainda, para dentro da sua dor nas fases mais avançadas da sua doença.
É portanto, a meu ver, um livro sobre a vida, já que a morte faz dela parte indistinguÃvel. Durante a sua longa morte, Ivan sente-se incompreendido, só, irritado com todos os que o rodeiam e que fingem ser apenas um percalço na vida, recusando-se a aceitar a inevitabilidade da sua condição. Médicos, esposa, filha e seu noivo, todos tratam Ivan como se dali a nada tudo passasse. Esse estado de isolamento em que o personagem se vai refugiando para fugir da mentira em que os outros vivem levam-no a várias conclusões sobre a dor, a vida e a morte. Conclusões que finalmente são capazes de ter o efeito que a morfina e o ópio nunca tiveram: aliviar a dor fÃsica que o corroeu por dentro. A morte, diz Ivan, deixou de existir depois de encarada.
É considerada por muitos como a novela mais perfeita da literatura mundial. Não sei se serei capaz de afirmar tanto, mas sou capaz de afirmar que é, pelo menos, a mais completa novela da vida.
Escrito originalmente aqui