Jorge Luiz Alves
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...um passeio literário pela boa terra...
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« em: Outubro 25, 2007, 06:31:20 » |
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"Abre-te, Sésamo!"
Verdes, azuis, rosadas, brancas, cristalinas. Frias como o gelo dos polos; quentes, em suas variegadas cores; apaixonantes, pelo que representam na vida dos incautos e deslumbrados. Tal a pitonisa e princesa troiana, Cassandra sonhava: não com os infortúnios do patrão, cheio de dedos a explicar as complicações de um negócio mal parado em Cingapura, coisinha à -toa que terminaria com quase cinco anos em dedicação extrema com os colarinhos e cuecas do executivo, exangue pelos dez milhões de dólares perdidos da noite para o dia no Extremo Oriente; mas com o arremesso de três pontos a definir - finalmente! - ao menos uma vitória nos playoffs da vida. Perderia o emprego, sim: mas sempre há compensações, ainda que fabulosamente inesperadas. Como aquele molho de chaves inusitado, sobre a poltrona; AQUELE molho que seu patrão sempre guardava, cauteloso, com o sacrifÃcio da própria vida; apressado, ele ganhou a estrada no BMW prateado rumo ao aeroporto e ao anonimato forçado; calmamente nervosa, Cassandra decidira (conhecedora dos segredos de cada canto daquele apartamento espetacular) profanar a caverna de Ali-Babá - não soube por quê, pensara em Viriato, o motorista simpático e espadaúdo. Premonições alvissareiras? Seus presságios foram muito bem fundados. Ali, diante seu assustado sobrolho, faiscavam, cintilantes, o resgate de todos os potentados da moderna Cristandade Ocidental. Naquele instante, entre multicoloridos prismas e fascÃnios, Cassandra esquecera-se da plebe, desconhecera suas origens rudes, pontos de vista, preceitos ou decências; era, simplesmente, cascatas entre dedos trêmulos, uma mulher entre jóias. Era Helena, nua sob ouro e brilhantes, exposta diante Páris e Heitor no festim de Menelau, na testosterônica Esparta. Cleópatra, submetendo dois Césares, um após outro, triúnvira entre tiaras e diademas em nilótico exotismo. Betsabé, enlouquecendo David, o Rei-Pastor Levita, com o reluzir das gemas e de seus olhos. Isabel, a sisuda rainha católica, com seu dote entre as mãos, empenhando Castela inteira por secreto mimo a um louco genovês, prata nos cabelos e sede de ouro no coração... ...e, mesmo Fabergè, sob a cúpula dos czares, teria cinzelado e engastado a sua verdadeira obra-prima para sua misteriosa Anastácia, infantil e arrebatadora em fulgor eslavo, escandalizando a ortodoxia dos patriarcas! Um longÃnqüo estalido fez a serviçal reencarnar-se, assustada, na contemporaneidade; a tempo de tomar as devidas providências... para nunca mais, enquanto viva, depender das incertezas da Previdência. ................................................. ..............
- Quem?! - Aquele senhor alÃ, ó. E o garçom - conterrâneo seu, de BrasÃlia - apontou para o balcão; para o homem do paletó cinza-povão, que acenara com o copo de mojito, sorridente. Cassandra espreguiçou-se, enfadada, conformada: desta vez, ao pensar em Viriato lembrara-se, também, das histórias das mil-e-uma-noites: Cassim, irmão de Ali-Babá, traindo-o por inveja de sua boa fortuna; os vasos de azeite e óleo que deveriam estar vazios (todos); a luta de Ali com o lÃder do quadrigenário e a coragem de Morgana ante a malta vingativa. Compreendera tudo ao ver o estranho de rosto quadrado e mal vestido aproximar-se com a mão no bolso interno do paletó - a ponto de lembrar da quadrinha que sua avó recitava quando assistia aos escãndalos nos telejornais do DF, "...tem cem anos de perdão". Lágrimas nos olhos, começou a se despedir de Curaçao: o melodioso papiamento, os simpáticos nativos, amizades turÃsticas dos saguões hotelares, dos vinte por cento ao mês a garantir a longevÃssima felicidade. Viu, também, nas feições duras do recém-chegado, outra coisinha, em rápido vislumbre: olhos inquietos. A passar pelo seu corpo tonificado pelo personal-training do hotel e dourado pela tepidez antilhana. "Tudo é tão efêmero e surpreendente nesta vida porca!" , pensou Cassandra, enquanto se recompunha, fria como a gema que carregava nos pertences pessoais a tÃtulo de urgências. Uma mulher (agora) altiva, acima do preço dos rubis, do mercado, das fraquezas. Serena. ApolÃtica. Amoralmente segura. A partir daquele instante, seria Lucrécia Bórgia.
Rio de Janeiro, Brasil, 25 de Outubro de 2007
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