jaber
Novo por cá
Offline
Sexo:
Mensagens: 15 Convidados: 0
|
|
« em: Maio 05, 2009, 13:57:19 » |
|
Puxou a cortina do banho para o lado, com uma mão no rosto a limpar os olhos tacteou com a outra á procura da toalha, encontrou-a, amarfanhou-a entre as mãos e mergulhou nela o rosto encontrando alÃvio para o leve ardor que sentia nos olhos. Começou então o lento ritual de limpeza do corpo. A toalha, velha, de felpo áspero e seco ia sugando a água que lhe escorria profusa pelo corpo, esticou o braço esquerdo limpando em actos circulares do pulso ao sovaco, levantou a mama, invejosa da altivez da juventude, para limpar por baixo. Reparou na carne pendente do braço, numa espécie de músculo invertido, a segurar-se ao osso, meneou a cabeça, acto contÃnuo passou a toalha para a outra mão repetindo a operação. Inclinou-se, estribou uma perna na borda da banheira limpando-a da mesma forma do calcanhar ao alto das coxas, viu o monte-de-vénus, generoso, pensou: "tenho que marcar hora na esteticista". Repetiu a operação com a outra perna, saiu da banheira, mirou-se ao espelho, enrolou a toalha no cabelo, prendendo-a no alto da cabeça. Já no quarto vestiu o robe... Abriu o cortinado da janela, mirou os prédios cinzentos, tristes, que a vista lhe oferecia: "na Quarteira é que era bom", tinha os prédios na mesma mas vislumbrava-se uma nesga de mar... e á noite a água fria e clara em luares de azuis. Tinha sido na última vez que fizera férias há 10 anos atrás, já grávida do Francisco, e ainda com a ilusão de felicidade eterna que os sorrisos do Artur lhe prometiam. O emprego de tecelã no 1º turno, o matraquear de teares, o algodão pairando no ar, asfixiante, os berros do encarregado lembrando o atraso da produção depressa lhe tiraram a doce ilusão que devia ser propriedade universal e imutável. Olhou para a foto do Artur na sua mesa-de-cabeceira, com aquele olhar emoldurado por uma melena oleosa, de matador, dizia ele nos tempos áureos, que ela nunca achou grande coisa, mas era um moço trabalhador e uma desculpa para escapar aos berros da mãe, á censura silenciosa do pai e aos ardores Ãntimos que sentia, que quando aplacados, a consciência a fazia correr para o confessionário. Agora quando o Artur lhe diz: "Odete, chega aqui", a repulsa é imediata, entrega-se sem se dar, desejando que ele não tenha ido recentemente ás mulheres da boite para assim ser mais rápido: "porra, mas porque raio não se serve só delas?". Encaminhou-se para a sala e deu com os olhos nela, no chão: "como raio veio isto aqui parar?", pegou-lhe encaminhou-se para o quarto do filho, as meias pelo chão, as cuecas sujas esquecidas: "quantas vezes já lhe disse para meter a roupa suja no cesto?" A cama por fazer, a profusão de brinquedos em desalinho. Olhou-se novamente ao espelho, extenuada, deixou que o cansaço a invadisse, lhe tomasse conta do cérebro. Acariciou a coronha da pistola, desenhando-lhe os contornos, apertou firmemente enlaçando-a, colocando o dedo no gatilho como viu naquele filme, o "Dirty Harry"; "aii, como era o nome daquele actor? Não interessa! Agora não interessa mais... Cansada, sinto-me tão cansada".Com a pistola firme na mão direita, levantou-a, encostou o cano á têmpora. Lembrou-se do telefonema da professora do Francisco, a pedir-lhe para ir lá no dia seguinte: "já não sei o que lhe hei-de fazer", dissera. Se o Artur sabe desanca-o. "Mas não interessa, não interessa nada, 'tou tão derreada". Fez pressão na têmpora... O indicador direito pressionou um pouco o gatilho, lento mas firme: "o que tinha que fazer hoje á tarde? Tou tão cansada..." O cão da arma movimenta-se para trás com a pressão do gatilho. "Se ao menos aquela merda daquele encarregado parasse de ser nojento".O dedo pressionou mais um pouco o gatilho, o corpo retesou-se na expectativa, o cão da arma atingiu o ponto de não retorno... Ouviu-se um estalido seco... Odete caiu desamparada para trás, com o choque contra a cama a toalha soltou-se, o cabelo caiu em desalinho sobre os lençois, num quadro quase bonito, o braço pendeu no bordo da cama, a pistola de plástico soltou-se da mão caindo no soalho de taco com um som oco. Ficou assim de olhos fechados, morta, até o filho chegar da escola.
|