O filho

- Como?
- O seu filho tem uma doença muito rara. Será muito dependente de você. Precisará de muito do seu tempo. Não é criança para estar em infantários. Será muito complicado que possa frequentar a escola. A sua aprendizagem será muito lenta. O que você aprende em uma hora, ele poderá demorar um ano. As coisas mais simples. Será uma vida sofrida. Tanto para um como para outro.
- Essa doença é incurável?
- Os progressos da medicina são inquestionáveis. Mas estas doenças tão raras ainda não têm cura. Provavelmente não terá nos próximos anos.
- Tenho de deixar o emprego, dedicar-me exclusivamente ao meu filho.
- Ou pode poupar-se a esse sofrimento. Poupá-lo a uma vida de suplício e dor.
- Como poderia fazer isso?
- Basta uma injecção. Poderá tentar de novo engravidar. De certeza que correrá melhor.
- Eu nunca farei isso! Meu filho! Nunca mataria meu filho! Vou viver apenas para ele, mas com a promessa que a sua vida será o melhor que eu puder lhe dar! Viverei para o seu sorriso, serei paciente com ele. Ele é a minha vida!
- Será muito difícil. Apenas dei uma sugestão.
- Dispenso as suas sugestões. Quero ir para casa com o meu filho!

Enquanto viajava no seu carro Ana ia pensando na oferta horrorosa que o médico lhe havia feito. Como poderia um médico na sua perfeita consciência aconselhar a morte do seu filho? Quem lhe deu esse direito?
Já em casa deitou o seu filho no berço. Ainda bebé não dava para notar os problemas que teria à medida que fosse crescendo. Os problemas que necessitariam de toda a ajuda da sua mãe. Beijou o seu filho, fechou a porta do quarto e foi para a sala. O seu marido estava ao telemóvel.
- Percebo. Eu vou falar com ela.
Tomás desligou o telemóvel e olhou para Ana. Um olhar entristecido.
- Quem era?
- O médico. Ele já me contou tudo.
- Ele telefonou-te?
A expressão de Ana era de irritação.
- Quando planeavas contar-me?
- Que diferença isso faz?
- Não achas que deveria saber?
- Deixarias de o amar?
- Tu sabes que vai ser muito complicado.
- Amá-lo?
- Tratar dele.
- Também queres matá-lo é?
Ana olhava para o marido incrédula.
- Claro que não. Casaste-te com um assassino?
- Já não sei com quem me casei…
- Como vês já é muito suficientemente trabalhoso manter esta relação...
- O que queres dizer com isso?
- É este o ambiente que queres para o teu filho?
- O que queres fazer?
- Adopção.
- Ele é o meu filho! E vai ficar comigo!
- Não é a melhor opção para nós.

- Acabou-se o “nós”.

Tomás e Ana começaram o processo de divórcio. Ana mudou-se para casa dos seus pais juntamente com o seu filho.

- Ele está a dormir? – perguntou a mãe de Ana.
- Como um santo. É difícil imaginar por esta altura o que vai suceder com o correr dos anos.
- E tu estás preparada para isso?
- Quem está?
- Eu e o teu pai já estamos velhos. Não poderemos ajudar-te muito tempo. Vais deixar o emprego que gostas, o teu sonho não é ensinar? Estás preparada para deixar isso?
- Neste momento o único sonho que tenho é cuidar do meu filho.
- Como vai ser o vosso sustento? Sei muito bem que existem apoios financeiros para estas questões mas duvido que chegue. Como será quando o dinheiro que foste guardando durante todos estes anos acabar? Achas que o marido de quem te separaste por causa do teu filho vai-te ajudar?
- Ele será obrigado a ajudar. De qualquer maneira não quero depender nele. Sei que tenho os meus pais ao meu lado para me ajudarem. Vou arranjar um emprego qualquer. Um emprego nocturno para que apenas esteja ausente quando o meu filho estiver a dormir.
- Queres que eu cuide dele mas eu não consigo, filha. Cada vez que olho para ele e imagino como será no futuro…
- Até tu, mãe?

- És tu que andas à procura de ama?
- Sim, sou eu. Preciso que cuidem do meu filho durante a noite. Normalmente estará a dormir, não será preciso nada de mais. Mas eu trabalho à noite e não o posso levar.
- Não preciso que me explique em que trabalha. Basta olhar para si para decifrar. Apenas preciso do dinheiro na mão.
- Por favor, cuide bem do meu filho.
- E de si? Quem cuida de si?