Vitor da rocha
Novo por cá
Offline
Mensagens: 33 Convidados: 0
|
|
« em: Julho 30, 2010, 13:34:30 » |
|
Lenço de Papel 8
E agora aà estava ela, longe das Relações Internacionais, mas embrenhada cada vez mais nas relações com polÃticos, empresários da nova e velha economia, professores de ensino superior, pensadores, gestores, administradores, cantores, escritores, falsificadores, arrumadores, gatunos de colarinho e de pé rapado, degenerados e moralistas, fundamentalistas e liberais, para quem é tão normal colocar um pierce no clitóris ou meter uma seringa no braço como rezar a Deus por uma dÃzima e vender armas juntamente com sabonetes. Exaltante eram também a convivência com os colegas, nas curvas e contracurvas dum incêndio onde morreram três crianças e duma barraca onde um pai e uma mãe metem coca no leite do bebé. As piadas escabrosas, cÃnicas, descrentes, eróticas, pornográficas conviviam com uma conversa sobre o orçamento de Estado e o despedimento de trabalhadores, a conferência dum filósofo e o ciclo de cinema em qualquer cidade. Lixo e luxo na mesma pasta, nos intervalos do móbil principal do dia-a-dia: parir caracteres como porca após ir ao berrão. Por cada caracter, pouco mais de uma dezena de tostões. Num mês, centenas de milhar de caracteres, milhões de tostões. Às vezes, Glória lembrava-se que tinha marido, e que essa era talvez a menos utilizada das suas relações, pois que dela não podiam resultar caracteres. De manhã, as páginas do dia estavam já definidas: acordar com o relógio-despertador, preparar a menina ainda a dormir, nascida há três anos, depois de cinco apenas em par, a gozar a vida, tirar-lhe a fralda consumida, vesti-la, mestiçar o leite com flocos de cereais, empurrar-lhe tudo pela garganta abaixo, á força de umas baboseiras ridas e umas ameaças de castigo e nacionalização de brinquedos, misturadas com bonecos da televisão, depois, vestir-se, a roupa em função da agenda, a maquilhagem indispensável como o guarda-chuva em tempo de aguaceiros, meter a mochila da menina e a sua pasta e atirar-se para o carro, depois de se despedir do marido, separado no seu carro. Oito e meia, no infantário. Depois, o pequeno-almoço, num café. Olhar o dia. Abrir a pasta e rememorar os assuntos que irá enfrentar no jornal. Lançar-se para o trânsito, tão cerrado como página do jornal sem uma imagem. Uma hora depois, ou mais, no jornal. Sentar-se frente ao computador. Afundar teclas. Levantar-se e sair para uma entrevista marcada. Reportagem de reunião de decisores. Conferência de imprensa. Batalhar para apanhar algum milho caÃdo e esquecido pelos colegas. Atirar a sua pergunta à mÃnima aberta. Apanhar com um monte de ideias gastas, espelhadas e arredondadas pelo uso. Frases batidas. Chicletes mastigadas e já sem sabor. Donde terá que extrair algumas gotas de sumo.
|