Antonio
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« em: Março 03, 2008, 13:17:24 » |
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Este é o quinto artigo de uma série em que escrevi sobre as minhas experiências em Ãfrica
Nota prévia: Este texto baseou-se em mais um episódio ocorrido durante a minha permanência de dois meses (Outubro e Novembro de 1974) como comandante interino do Destacamento de Marinha do Cuando, localizado no Rivungo, Cuando-Cubango, Angola. É o quarto desta série. Antes, coloquei em exibição: “Sobrevoando a savana" “O cortador de carnes verdes†“Cena de caça no Bambangandoâ€
Estava uma manhã esplendorosa, com um sol quente e brilhante quando, por volta das dez horas, um dos meus homens me veio chamar ao pequeno aquartelamento: - Sr. Tenente! Sr. Tenente! A Rosa vai ter um filho. Já lá está a Maria Cangonga e outras mulheres. - Sim? – interroguei-o, num tom preguiçoso. - Então vou lá! Diz ao sargento Gomes que, se for precisa alguma coisa, estou na cabana da Rosa – concluÃ. Levantei-me da cadeira onde saboreava aqueles apetitosos raios solares e dirigi-me para uma das cubatas do quimbo mais próximas de nós. Era onde vivia a Rosa.
Mas quem era a Rosa? Como já disse em textos anteriores, eu tinha ido para o Rivungo para lá ficar somente durante um mês, perÃodo de férias do comandante efectivo, tenente Taborda. Mais tarde, recebi a ordem para proceder ao desmantelamento da unidade e regressar a Luanda, pelo que acabei por ficar mais quatro semanas. O Taborda estivera lá cerca de quatro meses. Antes dele, o comandante durante dois anos fora o tenente Vieira. Quando, ainda antes de encetar a viagem para aquelas terras esquecidas o Vieira soube que eu iria para lá veio falar comigo e disse-me: - Ó Castilho! Eu, no Rivungo, vivia com uma rapariga chamada Rosa numa cabana que mandei construir. Quando me vim embora ela estava grávida. O que eu te peço, como já fiz ao Taborda, é que quando nascer o meu filho ou filha o registes como meu e com o apelido Vieira. - E a Rosa é negra, calculo! – perguntei desnecessariamente. - É, mas é uma rapariga porreira, muito meiga, a quem eu também andava a ensinar a ler. - Certo, Vieira! Não me esqueço. – prometi - Ah…e que nome queres para eles? – interroguei-o. - O dos pais. LuÃs se for rapaz, Rosa se for rapariga – disse o meu camarada após pensar uns momentos. A Rosa devia ter mel, pois o Taborda também foi viver com ela quando para lá foi, como pude verificar quando cheguei ao local. Era uma negra de tom claro, bonita, mas um pouco estragada devido ao avançado estado de gravidez.
Voltemos à quele dia de princÃpio de Novembro. Cheguei junto da cubata e perguntei se tudo corria bem. Disseram-me que sim. Uma curiosidade que gostaria de satisfazer era se, como me tinham dito, os negros recém-nascidos ainda não tinham essa cor de pele. Teriam uma tez branca mas bastante mais avermelhada que os brancos. Esperei cá fora, sentado no chão, quando apareceu de novo o grumete: - Sr. Tenente! Estão ali dois tipos pretos, com uma farda e com pistola, que pretendem entregar uma carta ao comandante do barco. Fui ver os homens, intrigado. Apresentei-me, e um deles, num português com sotaque africano, pediu-me para ler a missiva que ao mesmo tempo me entregou. O envelope tinha um carimbo circular que dizia: MPLA – A vitória é certa. - Vocês são do MPLA? – indaguei. - Somos. Mas do grupo da Revolta do Leste. O nosso chefe é o Daniel Chipenda. O Agostinho Neto tem tomado muitas posições de ditador e nós queremos democracia. Já tinha ouvido falar dessa cisão no MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola. Daniel Chipenda fora um dos homens mais influentes do movimento libertador mas tinha fomentado uma separação relativamente ao grupo original e principal liderado, desde a fundação, pelo Dr. Agostinho Neto. Lembro-me dele sobretudo como jogador de futebol da Associação Académica de Coimbra. Nessa cidade estudara, mas interrompera o curso para ir combater com a guerrilha angolana. Abri então o envelope e li o papel manuscrito que estava dentro dele. Era um convite para irmos, no dia seguinte, com o navio (a Lancha de Desembarque Pequena de que já falei noutros textos) buscar um conjunto de guerrilheiros para os trazer para o Rivungo onde pretendiam fazer trabalhos de politização das massas. Pedi um ou outro esclarecimento e resolvi chamar o telegrafista Neto para mandar uma mensagem ao Comando Militar do Luso (agora Luena) do qual dependÃamos operacionalmente e outra ao Comando Naval de Angola a quem estávamos ligados logisticamente. Assim foi feito. Nelas pedia que me dissessem qual a decisão: ir ou não ir! Enquanto aguardava resposta, pensei que talvez ela não viesse em tempo oportuno e resolvi marcar uma reunião para depois de almoço com as forças vivas da terra. Estariam presentes, além de mim, o alferes Monteiro, comandante do destacamento do Exército, o chefe da PSP, o chefe da PIDE e também deveria estar o administrador de posto, Sr. Lebre, mas tinha voado para Serpa Pinto (agora Menongue) na semana anterior e voltaria nesse dia, mas mais ao fim da tarde. O objectivo era preparar uma decisão para o caso de não termos retorno do pedido feito à s hierarquias. Fui pessoalmente falar com cada um e expliquei-lhes a situação. Também achei por bem dar conta das minhas actividades aos “terroristas†para lhes incutir confiança. Inicialmente pareciam-me um pouco receosos. Mas depois de falar com eles fizeram um daqueles sorrisos muito brancos como quem diz: - Está a correr bem! Não vamos ter problemas. De repente lembrei-me: - A Rosa! Corri para a cubata e lá estava a moça com uma menina nos braços. Tinha corrido tudo bem. De facto não era negra, tinha uma coloração avermelhada. Fui falar novamente com o Neto: - Há resposta? - Nenhuma, Sr. Tenente! – retorquiu o marinheiro. - Então repete as mensagens. E enquanto não vier nada, manda duas de hora em hora: uma para cada lado – ordenei. Eram duas e meia da tarde quando começou a reunião. Fui o primeiro a falar. Rememorei o que se tinha passado até aÃ. Sugeri que, se não houvesse ordens especÃficas das hierarquias até à s seis da tarde, tomássemos nós a decisão. E avancei com a minha proposta: Atendendo ao que se estava a passar em todo o território angolano (e convém recordar que recebÃamos o Expresso todas as semanas) uma recusa seria considerada uma atitude hostil pelos outros. Pelo contrário, e como a tendência era a de deixar as colónias com brevidade, parecia-me correcto que os homens viessem fazer os seus contactos com a população. Os outros concordaram, excepto o tipo da PIDE, o Roque, que parecia ainda não ter percebido que as coisas estavam a mudar rapidamente e apresentou os mesmos argumentos salazaristas de “Angola é nossa†e outros que tais. Curiosamente, fui sentindo ao longo da reunião aquilo que já tinha lido e estudado numa cadeira de Sociologia: que “a multidão segrega o lÃder†e, ali, era eu que emergia como o lÃder. Todos concordavam com praticamente tudo o que eu dizia (excepto o Roque, claro). A certa altura chamamos os dois homens do Chipenda para combinar os detalhes para o dia seguinte. Tudo ainda pendente da resposta do Luso ou de Luanda. Por volta das cinco chegou o Lebre. Alinhou também com as minhas posições. Mandei chamar três dos meus subordinados: o sargento Gomes, o cabo Zé Castro e o João Correia para os pôr ao corrente da situação, pois era o destacamento da Marinha quem teria a parte mais importante na acção. No entanto, o alferes Monteiro fez questão de também seguir a bordo no dia seguinte. Não me opus. Eram seis da tarde. - Ó Correia! Fazes-me o favor de ir perguntar ao Neto se veio alguma resposta? – pedi ao artilheiro. Passados poucos minutos regressou o João: - Não disseram nada, Sr. Tenente! Não nos ligam nada! Eles nem sabem que este buraco existe – resmungou o marinheiro. - Pronto, meus senhores! Avançamos com a nossa decisão. Concordam? – perguntei em tom de fim de conversa. Todos responderam afirmativamente excepto o “pideâ€. Disse que estávamos a cometer um grande erro e retirou-se. Avisamos os da guerrilha que, depois, se foram embora. Na manhã seguinte irÃamos na nossa LDP pelo Cuando até um determinado ponto onde os antigos inimigos estariam à nossa espera.
(escrito em 3 de Setembro de 2005)
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