antónio paiva
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« em: Abril 14, 2008, 23:06:39 » |
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Passo tanto tempo a folhear pessoas em busca das palavras, há tantos sentimentos pisados entre os dedos. Sentimentos que emigram de tão sufocados. As palavras morrem de sede à beira das fontes, é tão difÃcil despir a água. Ainda que os lábios soletrem as sÃlabas os ouvidos mirram inacessÃveis. As mãos dividem entre si o que resta, na avareza e no vazio, à mesa estão sentadas as bocas com os talheres nos olhos. A cegueira é um punhal cravado na medula, luar a sangrar a nebulosidade das mentes, a vida bem que podia ser um vasto campo de girassóis povoado por milhões de pirilampos acesos. Mas não, a mediocridade quer impor-se a todo o custo. Evoluir obriga a muitos sacrifÃcios, a um árduo e diligente trabalho, em todos os campos. Ser medÃocre é muito mais cómodo, bem sei. Não me peçam para ser tolerante com ela e com eles. Nunca o serei. Acender-lhes-ei sempre o vermelho, uma luz que trago no sangue ininterruptamente. Todos os rios são foz e fonte de outros rios, é por aà que navego. De pulsos nos remos, olhar no leme, a bússola é a minha mente, o meu corpo apenas o barco. Por muito que me queiram fazer crer o contrário, as pétalas pertencem à s rosas e não à s jarras, mesmo que estas sejam feitas de cristal. O mais puro cristal é a gota de orvalho beijada pelo sol todas as manhãs.
Às palavras tudo darei, até a minha vida, a minha morte não serve para nada, por isso a guardo para mim. Há uma linha de terra que separa o mar dos meus olhos, um extenso areal de palavras onde estendo o corpo e a mente, uma linha azul lá longe a separar o mundo da minha boca. Ainda assim, há sonhos em que adormeço com os olhos despidos de pálpebras, celebrando a vida no limiar das têmporas. Momentos em que os silêncios nus de torpores desenham planÃcies. Searas verdes e árvores sapientes que me suportam a cabeça. Mais tarde loiras espigas de trigo que se me afeiçoam aos lábios enquanto bebo a frescura da sombra. Na saudade das amoras maduras enfeitadas com colares de morangos quando o Verão se estende nas eiras. Não sei medir a vida e as palavras de outro modo. As pessoas, essas vou-as despindo sorrateiramente tal como as folheio. Às vezes vejo-me nos seus olhos, que os meus olhos vêm nelas, assim me visto delas enquanto as dispo escrevendo. Corpos e mentes enchendo ânforas de onde bebo o vinho espesso da lÃngua mãe. Ébrio, alivio a mente atenuo as dores e partilho, ainda que, sistematicamente me ignorem e me queiram partir as ânforas. A culpa é daquelas mãos gordas, sapudas, sempre ávidas de dividir entre si o que resta. As minhas armas são as palavras e os meus olhos, o meu pensamento é uma casa-forte onde aquelas mãos não chegam. Os pensamentos e as palavras são fortes e esguios, por isso fintam aquelas mãos nojentas.
Eu nasci rio para correr livremente e transbordar as margens sempre que for preciso.
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