CONTO DE ANO NOVO OU TALVEZ NÃO...

[josé antonio]

Estava confirmada a vinda do Jens e Edite para o fim de Dezembro. Ele próprio me telefonara a pedir uma estadia como as anteriores e uma noite de fim-de-ano – herrlich – magnífica. Depois dum saboroso roteiro pelo Douro vinhateiro que ele adorava e queria mostrar à esposa teria de me preparar para mais um esforçado prolongamento de boa vontade e paciência se o Jens repetisse a dissertação de mais de uma hora, por volta da meia noite, após o jantar em Torre de Moncorvo, como sucedera na vez anterior, junto a uma passadeira que cismava ter de ser pintada e urgentemente de amarelo fluorescente, por questões de segurança. Ele perito em HSST na Alemanha, ficava possesso com estes pormenores, e eu, português, profundamente incomodado por ter de o aturar e não me poder deitar.: - José, you must claim to the authorities. Please, dear friend. E eu no meio da estrada a fazer todo o possível e impossível para o trazer para dentro da residencial e se deitar em paz com as regras de HSST. Tudo bem. Ele merecia-o. Como colega de trabalho e sobretudo como homem íntegro que desafiava as chefias sempre que necessário e sem temor nem tremer. Já tinha avisado a minha esposa da tournée quando me caiu na mesa de trabalho um telex informando-me de que o Mr. Jens Peine, não viria na data prevista para se reunir connosco face a problemas inesperados de agravamento de um problema de saúde. Quer-se dizer, de doença – rectifiquei. Sabia por experiência desagradável, algures na Suiça, que sofria da tiróide o que o obrigava a tomar um comprimido de doze em doze horas. E soube-o porque no meio dum túnel de 17 km me pediu para tomar conta do volante da sua Mercedes por se estar a sentir mal. O resto do percurso foi feito com o olhar no volante, na estrada e nele, que ao meu lado direito, dormitava estirado banco abaixo. Mas respirava. Essencial. Duas horas depois acordava e era o Jens malicioso e alemão que eu conhecia de há sete anos atrás. E recomeçamos as escaramuças com tanto de agradável como de saudável: acerca da empresa, dos administradores admitidos e demitidos como no tira-rapa-põe e outras fantasias de gestão empresarial que não vale a pena referir. Devidamente autorizado pelo Gabinete de Operações na Europa, organizei a reunião que deveria ter lugar no nosso país em Bieldefeld, muito próximo da sua residência e sede duma das fábricas do grupo. Orientado pelo GPS da altura, uma fotocópia com o itinerário e distâncias entre os desvios que teria de fazer, que coloquei no volante do Ford Orion que apanhei em Hannover na Hertz, como era habitual, cheguei à sua residência num domingo às sete da tarde. Aguardava-me no início do bairro com Edite, com o seu sorriso matreiro, pois estava convencido que teria de me ir procurar noite dentro por aquelas entranhas do território alemão. Mas, felizmente para ambos, errado. Jantámos num restaurante local e na manhã seguinte iniciámos a reunião às oito e trinta da manhã conforme a agenda para cumprimento escrupuloso. No dia seguinte seguimos para Frankfurt para tomarmos o voo para Milão, para mais uma feira italiana, porque - os italianos na vanguarda da moda e afins. Terminada no final do dia a visita da mesma, Jens regressaria a Frankfurt e eu ao Porto. E assim sucedeu. Habituados a este tipo de autocarros aéreos, despedimo-nos no aeroporto e apanhámos os nossos voos. Enquanto aguardava na sala de embarque, Jens, veio ter comigo para um último abraço e votos de boa viagem. E novo ano cheio de saúde para mim e todos os colegas portugueses. E foi-se para o Gate do seu voo. 
Já no ar como nada se tem para fazer senão admirar as hospedeiras e ler as revistas e jornais e jornais e revistas, desfolhei a revista da transportadora. E trazia fotografias das vindimas no Douro. Recordei a impossibilidade do Jens e esposa para tão desejada visita, infelizmente anulada e pedi champanhe para celebrar por ambos.
E não me apercebi da aterragem no Francisco de Sá Carneiro.
O Jens telefonou-me na segunda-feira seguinte e confessou-me ter celebrado, no mesmo dia, 7 de Janeiro o novo ano, com a esposa e a taça que ficou cheia em cima da mesa, porque era a minha, bebeu-a e ficou muito mais feliz…

[Goreti Dias]

E tudo fica bem quando acaba bem...
Da Torre de Moncorvo veio-me à lembrança um bacalhau com broa e um azeite divinal. Nunca mais encontrei outro assim!
Bom ano!

[josé antonio]

Boa tarde Goreti,

Este ex-colega Jens Peine conduz-me a nove anos de trabalho quotidiano com alemães, sua mentalidade, responsabilidade, tecnicismo, inovação e muito mais. Continuo a ser português mas não nego que muito da minha mentalidade lusa, - da parte negativa -foi modificada no bom sentido  e oxalá pudessemos lá exercer formação profissional a começar pelos deputados e membros do governo e líderes partidários. E não digo mais porque a úlcera da intolerância se irrita...

Óptimo ano novo para nos continuarmos a ver por aí... 

[Luis F]

Uma agarável leitura, num conto muito interessante.

Com amizade
Luis

[josé antonio]

Boa tarde e bom ano Dite,

Sem mais.
Tudo isso e muito mais, a convivência e absorção de outras culturas.
Tipo dois em um!
Não acrescentei, mas o Jens foi internado um mês depois por causa da tiroide e faleceu dois meses a seguir, segundo notícia da Edite, esposa.
Abraço

Luís,

E não imaginas quantos mais poderia escrever com tantas memórias que felizmente guardo e que se calhar irei despejar, acumuladas ao longo de quase quarenta anos de carreira em multinacionais e outras que tais...

Abraço embrulhado num excelente 2009.

[Vóny Ferreira]

Interessante conto, António.
Bom ano para si!
Vóny Ferreira

[josé antonio]

Boa tarde Vóny Ferreira e continuação de Bom Ano,

Desculpe-me só agora ter lido o seu comentário, preocupado que tenho andado com a saúde de minha mãe, (87 anos...). Todos teremos de ser pais dos nossos pais, com a idade. Quanto ao conto agradeço a sua leitura, como já confessei à Dite o mesmo não deveria terminar assim, mas não quis começar o ano com leitura "pesadas".

Abraço

[britoribeiro]

O pragmatismo alemão contrasta quase sempre com a impulsividade lusa. Depois é o que se vê...

Abraço

[josé antonio]

Boa noite Brito Ribeiro
E o meu amigo ainda não viu nada de pragamatismo... quando iniciar os contos do ciclo das minhas idas na " espanhola" a Vila Praia de Âncora para conferenciar com a então minha namorada, no Hotel Meira... ui, ui...
Abraço