O sexo morto das virgens

[Mel de Carvalho]

O sexo morto das virgens.
O desejo que se hasteia nos jardins da volúpia.
O grito herético da sereia moribunda.

Imagens difusas, que me viajam a alma,
incomportadas.
Figurações que me maculam o Sol que já se apaga
no esconso desvão de ser palavra,
do verbo que se explode rubro
e se reflecte no manto emagrecido desta hora.

A música. A música divina do som da tua voz,
eleva-se para além dos Montes Olímpios,
mescla-se com a dor de dedos rasgados,
em urdidura de louros no teu colo de vertigens.

Insandeço.
Tropeço nas horas vivas como se fossem pedras soltas.
O corpo rebusca arreios nas margens imprecisas dos dias,
e, sem êxito, mergulha em chamas nas noites gélidas de frias.

Mordo momentos em que Solstícios breves
refervem em glosas de solidão.

Invento, rebusco afectos em plátanos apodrecidos,
conspurcados em nódoas de limos verdes,
de verdes desmaiados, esvanecidos.

Abraço-os em rendas, em noite de lua cheia.

Com sedas e tules teço enredos, tramas d’alinhados,
redes cruzadas de pernas e de braços,
quando, amado, lá fora e aqui, a Natureza se derrama
em ácidas chuvas, diluvianas e,
na demência, acredito que são somente clarividências d’águas!

Mel de Carvalho

[Goreti Dias]

E de que valerão tules e sedas se eles não chegam para aquecer as noites gélidas?! E nem o maior dilúvio trará "clarividências de águas" a tão áridas vidas...
Belíssimo!
Bjs

[Mel de Carvalho]

E de que valerão tules e sedas se eles não chegam para aquecer as noites gélidas?! E nem o maior dilúvio trará "clarividências de águas" a tão áridas vidas...
Belíssimo!
Bjs

Goreti,
este poema é, talvez daqueles que escrevi e que mais gosto. Pelo tanto, pelo tudo e pelo nada ... pela "clarividência" que talvez seja ...
"O grito herético da sereia moribunda." O meu!

Curiosamente, volvidos mts meses sobre este escrito, ontem voltei a falar do "sexo das virgens" num poema que deixei na concorrência http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=47694 (antiqua alma).

Beijos, amiga.

[Djabal]

 

Tive uma sensação musical ao ler a poesia, como se as palavras me conduzissem por um alameda desenhada de sensações, descrições de amor ávido, de vontades e anseios, todos já desfrutados, usufruídos. Repentinamente a mensagem das virgens nos assalta e aquela água deixa um sabor parecido com a Estrada de Comarc Mc Carthy ou de Terra Sonâmbula do Mia Couto: solitude.
Impactante, sutil e uma poesia com um ritmo de um conto de envergadura melodiosa. Imensamente bom. Parabéns.

[Dionísio Dinis]

Esta partitura, feita de exímios versos, merece figurar em voz sonante para além de todos os tempos.Bravo!