Nação Valente
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outono
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« em: Novembro 20, 2022, 19:22:03 » |
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António Simplesmente - 11
Quando as palavras só atrapalham
D. Maria mostrava-se muito preocupada com a minha indisposição. Foi ver-me várias vezes durante o dia e chegou a perguntar-me se não precisava ir a um médico. A minha suposta doença precisava de um único “médicoâ€, que se chamava António. As horas passavam lentas, outras pessoas me foram ver, mas o homem que esperava, ansiosa, não aparecia. Estava a ficar desesperada. Não seria possÃvel continuar a manter aquela encenação, com a qual pretendia apenas, que outra não me roubasse o homem que queria para companheiro de vida.
Ao anoitecer, António chegou com um prato de comida, alegando que precisava de me alimentar, mas não era aquele alimento que desejava. O que queria era receber ternura e amor. Conhecendo a natureza dúbia do António, e o seu carácter conservador, sabia que arriscava muito, e corria o risco de o perder para sempre. As dúvidas sobre a minha atitude estavam em vias de me paralisar. por fim chegou. - Ainda bem que veio. A sua vinda é mais que meia cura, até porque a minha doença não é fÃsica. Sentei-me na cama mostrando o meu corpo numa seminudez, apenas encoberta por uma combinação. António pareceu ficar surpreendido e algo atrapalhado. - Madalena…porque está assim. Nós ainda não somos um casal. Seremos depois do sagrado matrimónio… - António – disse interrompendo-o – o matrimónio é uma convenção, o desejo do outro, é quem manda numa relação verdadeira. Muita gente vive sem matrimónio, uma vida cheia de felicidade. E porque em certas ocasiões as palavras só atrapalham, ganhei coragem e puxei-o para mim, colando os nossos corpos num amplexo forte e determinado. Ainda procurou resistir, mas a santidade, percebi mais tarde, é uma excepção no ser humano. Os nossos corpos e os nossos espÃritos envolveram-se e entregaram no calor da paixão, que nos catapulta para outra dimensão. Foi a nossa primeira experiência de amor total que continuámos até ao fim das férias desse verão.
Como tinha previsto, António partiu para Coimbra, onde fez provas para ingressar na faculdade de Direito. Soube depois que tinha sido incentivado pelo fidalgo de quem o seu pai era feitor. Garantiu-lhe que o ajudaria com a alimentação, podendo fazer refeições na sua casa, naquela cidade. Eu voltei para a minha escola e continuei a fazer o meu trabalho de ensinar a ler e a escrever. Durante alguns meses trocámos correspondência diariamente, onde António continuava a fazer juras de amor e mostrar vontade de concretizarmos a nossa união para sempre.
Querida Madalena Desejo que esta carta te encontre bem, e pelo menos com a mesma saudade que eu sinto. Sonho com o começo das férias para nos voltarmos a encontrar e amar com a mesma paixão que continuo a sentir. Tenho-me adaptado bem a esta cidade de estudantes. Partilho a casa com outros colegas e faço refeições na casa dos fidalgos de Oliveira do Dão, que sempre me têm ajudado. Passo o dia na Universidade a assistir às aulas e concentrado nos livros, para acabar depressa esta etapa, e poder estar sempre contigo. Como não gosto de ser um peso para ninguém, sugeri a D. Francisca, que me trata como um filho, que me permitisse dar explicações à sua filha, a menina Julinha, que frequenta o liceu. Ela aceitou e sinto-me mais aliviado. Perguntas como passo as longas noites de inverno. Em grande parte a descansar, e uma ou outra vez em serões culturais, na casa da senhora condessa de Asseca, onde convivemos com gente da cultura, mas a saudade está sempre presente.
Um grande beijo.
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