sonhei silêncio ...

[Mel de Carvalho]

sonhei
silêncio
mas as palavras tinham asas de voar
do ventre, indemnes, à garganta cavada no ginásio do  mundo,

[(in)flectidas,
pesavam para além de toneladas, 
e a língua, bailarina, sustinha-se acomodatícia em pontas
numa dança ritualista
e as retinha, em cadeia marmórea entre saliva e céu-da-boca,
mas logo, se erguiam,  troncos ossudos, verbos e varais rectos de espaldar,
e eram verdades insanáveis, de sol despido a rubro
em cabines de luar
 
             a bailarina, muda, gritava.]

sonhei

palavras
ditas
reditas
nos ouvidos e nas sedas fibro-cristalinas do teu corpo
de poros abertos

mas por mais que a neve caía em flocos sobre os pomos e os frutos
por mais que tombe  tempestades sobre telhas lusas
que gatos adestrados em cio escorram a nudez dos corpos
pelas caleiras velhas e vãs das horas escassas
por mais esporas que se cravem em órbitas
que aranhas amarinhem
e osgas trepem p’la cal salinada das paredes
de beira mar...,

e os punhos não contenham
a avidez dos gestos
e incêndios percorram lá fora
 - fora de portas -
o metal dos varandins de ferro negro
em transversão
e sentido inverso...,

e as acendalhas que uso na lareira
não passem de um logro
na tentativa incólume de acender o fogo,

sei
que
algures no planeta
a madressilva acasala sempre o esguio caniço
agitado ao vento
e, são, a contendo, um do outro amparo duradoiro e permanente.
 

sonhei
sonhar a vida em hossanas madraças de rectilínea contravenção:
      - fruto      flor    semente ...

sonhei silêncio ou pedreira em labor eminente.

[Carla Costeira]

Silêncio sementado em tão bela poesia!

Beijinho enorme amiga!

P.S. Já li e comentei a tua maravilhosa entrevista no jornal. PARABÉNS!!! *****

[Mel de Carvalho]

Carlita,

obrigada, amiga. na verdade a comunicação social regional tem feito eco do meu trabalho e, disso sou grata. como sabes, queria muito que o meu livro "no princípio era o sol", vendesse pelas razões sociais inerentes. veremos. tenho esperança. daí que tenha aceite dar entrevistas e etc. irei onde necessário for e conto com todos.

beijo grato.

**
Caríssimo Domingos da Mota,

este poema foi escrito de uma penada, aqui, hoje mesmo, ao acordar: sonhei silêncio, mas as pedras sibilam (sempre) na encosta, desde o bojo corcunda do mundo (ou o inverso, como manda a regra);
 e os ventos desfolham-me letras na ponta dos dedos. e, por mais que queira não sei restar em apneia de mim. o resultado é esta compulsão algo “esquizofrénica” de estar nas letras e, um modo silencioso e muito contido de estar no dia a dia.

Bem-haja
Grata
Mel

[Vanda Paz]

e nós sonhamos tanto, tanto...

beijos amiga

[Goreti Dias]

Sonhar palavras e silêncio de uma forma sublime...
Bj

[Orlando Monteiro]

A Mel escreve como quem pinta, tanta côr tanta riqueza de emoções
Parabéns

Orlando

[Mel de Carvalho]

Vanda, Goreti, Orlando,

que dizer se não, grata? grata mesmo, pelo incentivo de vossas palavras.
hoje acordei "silêncio", vou andar na praia, pode ser que as gaivotas me inspirem.

Abraço
Mel