marcopintoc
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« em: Fevereiro 22, 2009, 00:19:03 » |
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Sabe ao bafio da fome a fria brisa que desliza pela “strasse†e me invade as goelas notificando-me para o meu paupérrimo estado fÃsico e emocional. Mas o que é que eu vou fazer para alterar tal sorte? Onde cresci não passei do contrato temporário que nunca era renovado, do salário mirrado pelas minhas poucas habilitações. Alguém um dia disse-me que estavam a reinventar um paÃs imenso que ligava o coração da Europa ao mar frio do norte. Então vim, para longe, para muito longe das terras quentes onde me fizera o pouco que era , troquei as tardes vagarosas dos indigentes nas margens do Nabão pelo frio que existe sempre , por fora e por dentro , nas terras alemãs. Lancei-me ao asfalto, lugar onde os Lusos se perdem e morrem. Meu mar ,que estás tão longe da sombra negra do Reichstag . Vim para aqui; diziam que havia trabalho, que em seis meses tinhas casa e carro . E talvez a sorte mudasse e uma miúda, daquelas de olhos bonitos e cabelo amarelo, gostasse de nós e quisesse ser nossa guardiã nesta terra onde o sol teima em não vir. E por aqui fiquei a esquecer-me de mim. A matar ,na cerveja que se bebe rápida ao final da semana, o não sair da cepa torta. Mas lá de Tomar persistiam em dizer que estava mal, muito mal. E eu fui ficando; mais um nas fileiras de olhos a ganhar barriga e estômagos a entristecerem-se nas vielas por onde outrora marcharam, orgulhosas e ostensivas, as botas e camisas negras. Os dias deste inverno são ainda mais escuros que os anteriores. À mesa do tasco, onde se bebe a bica e vê a Selecção, são cada vez mais os homens que passam o dia a mirar, sem vivalma em si, a televisão e a beber bagaços escarrados de mais um dia na fila onde nada aconteceu. Outros, mais novos , ficam nos apartamentos escuros a dar caldos de subsidio de desemprego e schannaps. O telefone enche-se de textos de despedida daqueles que vieram comigo. De rosto cravado no chão, enquanto um polegar pensativo acaricia o resto da mão já algo adormecida ,tenho a sensação do vazio que é estar calado em sitio onde não nascemos e onde não queremos morrer. A saudade é calada em bebedeira e fanfarronada. Há mulheres desempregadas que aliviam o resto da comunidade por dez euros se for só com a boca. A saudade é calada em fodas melancólicas entre putas sem jeito e ejaculadores sem vigor. Levanto os olhos e detenho-me a pedir mais um bem aviado. Ao cimo da prateleira a senhora do treze de Maio tem o olhar posto na secção dos empregos. A sua bênção não cai sobre nós. A saudade é calada com a lengalenga que amanhã será um dia melhor. Quando todos os dias parecem saber a merda o que se faz? O Alfredo, que era mecânico de camiões a agora tem a cirrose a comer-lhe a isca ,grita lá do fundo. “Aguenta-te pá ! “ Neste bar confuso , afixado na parede suja, o cartaz chama-me a atenção . E o Alfredo lá ao fundo “Aguenta-te pá!†E o cartaz chama-me a casa, para ir mudar de roupa e saldar o cabelo , por um bocado esquecer as lágrimas negras que matam a gente e lembrar como fui um dia. Hoje os lenços negros saÃram das gavetas e agora caminho, enregelado , entre a massa de serventes, empregadas de copa e esfomeados que se dirige a um pavilhão de segunda linha onde as guitarras que são nossas tocarão altas e os braços se cruzarão , o xis triste e revoltado de quem perde a fé todos dias, agrilhoado na derrocada do centro da Europa . Como se uma morte lenta escorresse pelas frinchas das caixas de multibanco e transformasse num momento demasiado curto o dinheiro que traz pão à mesa. Como se os euros fossem mais efémeros e as prateleiras do supermercado se enchessem de guloseimas longÃnquas à extensão do meu braço de emigrante mal pago , mal amado. Algo mal amado. Mal alimentado decerto. Vacilo mas não tombo. Há algo que me faz continuar a remar. Talvez o fado daqueles que nasceram na minha década se faça em guitarras com distorção. Tenho frio . Ventos que não são meus alÃsios não desviarão minha rota. Alguém , lá ao fundo, junto à s montras das lojas dos turcos grita “Ao mar , ao mar†. Os meus ténis rotos , a minha figura com fome e blusão de ganga, velho lenço negro ao pescoço . E esta vontade de querer estar em outro lugar. De meter as coisas na trouxa e mandar os boches para o caralho. Voltar aos nossos poisos quentes , à s praias , à s sardinhadas com os amigos . Uma tarde preguiçosa na margem do rio num dia de sol . Os olhos negros e trigueiros das nossas tão belas Marias, tão mais quentes que estas valquÃrias de grandes mamas e poucos gritos de amor. Zarpar numa carripana podre com pressa de chegar a Portugal , no rádio, “ De Bragança a Lisboa são nove horas de distância†. Os meus olhos cansados no retrovisor. As luzes dos grandes camiões que atravessam a noite europeia alumiam os rostos de barbeares não feitos, olheiras de tantas semanas , bocas com cárie e fastio ,dos meus companheiros. Há um deles que persiste acordado, um olhar lá no fundo da estrada e um sorriso no rosto. Leio-o; vai para casa. Ele também se apercebe que o miro e encara-me através do espelho. Diz - Homem do Leme Devolvo os olhos aos médios e ajeito o espelho para ocultar a lágrima que o homem duro não deve verter. Ao canto da minha boca chega o acre do meu próprio sal. Firmo o pé no acelerador. A saudade só se mata na nossa própria casinha.
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