... a geometria do silêncio

[Mel de Carvalho]

Dei-te a minha mesa
O meu lençol de linho bordado a ponto sombra
O meu colo manso de virginal princesa
Dei-te
o sonho que sonhei contigo às horas tantas.
Dei-me ao sonho … inteira.
Fantasmei um diário imaginário e dele fiz corolário maior.

Olhei agora a face da noite. Está escurecida. Está parada, desenhada na geometria do silêncio, diria eu que empobrecida. Silenciada.

De que linhas, de que formas, se desenham os silêncios?

Não sei e, contudo, reconheço-o na sinalética apagada, em cada degrau de escada em que tropeço, no espaço rectilíneo de cada ângulo homicida traçado na alvura lata do plano.

O encontro é desmedido.
Sem roteiro, aplanada no véu da flecha, ondulo num espanto boquiaberto de erva incerta.
O abismo responde-me impregnado num odor de poros, de teias de silêncio.

Sangram as palmas dos pés, os montes descem mais baixos que o convés.
Do cimo, o moinho esquivado resvala em velas desfraldadas, rumina no pó da pedra, na semente jazente e tão esmagada.
Atento ao canto geométrico das velas triangulares. Cantam a morte do próprio vento.
O silêncio trespassa-me a boca oferta, pelo eco da palavra. A tua palavra, rebelde, insurrecta e manifestamente muda. Grave! Aguda a dor.

Os cheiros.
Os pinheiros da orla marítima, a resina pegajosa que se eleva e que me grita nas asas que já não voam, presas à flor do sal. Aos deuses, o sacrifício egrégio, animal.

O meu lençol de linho bordado a ponto sombra, no silêncio…
Um corpo, uma harpa tangida na noite escura, os ombros cansados dos cabides onde dependuraste o que te restava do mutismo. Geometricamente.

O sonho que sonhei contigo às horas tantas.

Tridimensional, questiono o verbo e a palavra, avanço na noite, no perímetro da lua cor d’abóbora, a lua de fogo, que não mais é que logro, e logo, logo, sobre dois planos se espinha de novo o cinza do silêncio.

Dei-me ao sono … fantasmei um diário de corpos ardentes, de flores suspensas no bico das aves, de telas desenhadas à bidimensionalidade das coisas por musas tridimensionais, em aparos esguios de orquídeas de sangue.

A geometria do silêncio.
De que linhas, de que formas, se desenham os silêncios? A técnica é épura, a geometria é descritiva. Revejo – me nas coordenadas dos pontos, nos pespontos entre as abcissas e nos afastamentos...

Em silêncio.
**
Mel de Carvalho

[Marília]

Nada entendo das linhas do silêncio, mas da lua cor de abóbora bem que eu gostaria de entender! De qualquer forma, um cartão postal com umas letras suas já vai me deixar orgulhosa até! Mesmo se não tiver bandeirinhas eu vou amar!

[Goreti Dias]

"Dei-te
o sonho que sonhei contigo às horas tantas.
Dei-me ao sonho … inteira.
Fantasmei um diário imaginário e dele fiz corolário maior...  fantasmei um diário de corpos ardentes"...
Quem dá o próprio sonho nada mais tem para ofertar... na fantasia de um diário está o próprio sonho acordado...

Um texto simpesmente soberbo! Amei!
Um beijo

[Mel de Carvalho]

Nada entendo das linhas do silêncio, mas da lua cor de abóbora bem que eu gostaria de entender! De qualquer forma, um cartão postal com umas letras suas já vai me deixar orgulhosa até! Mesmo se não tiver bandeirinhas eu vou amar!

Minha amiga, está mais que acente. Mandarei com muito gosto
Obrigada pelas palavras que me deixas.
Bjs
Mel

[Mel de Carvalho]

"Dei-te
o sonho que sonhei contigo às horas tantas.
Dei-me ao sonho … inteira.
Fantasmei um diário imaginário e dele fiz corolário maior...  fantasmei um diário de corpos ardentes"...
Quem dá o próprio sonho nada mais tem para ofertar... na fantasia de um diário está o próprio sonho acordado...

Um texto simpesmente soberbo! Amei!
Um beijo

Goreti,
a prosa-poética é um exercício que me dá prazer.  Fico contente que tenhas gostado de ler. Obrigada, amiga
Mel

[Mel de Carvalho]

E no silencio da geometria lá se vão esquecendo que as linhas rectas se poderão tornar curvas a qualquer momento.
Valerá apena caminhar mais neste espaço geométrico onde os pontos das coordenadas se esquecem no espaço da mente humana?
Mel como sempre directa e concisa mas muito profunda nas palavras que deixas em variantes e inequações que nem todos entendem.
Obrigada por existires.
Beijo

Minha querida amiga, vale sempre a pena. Sabes, existe um livro a que sou fiel - O Princepezinho de Saint-Exupery. Nele, entre outras mensagens, é-nos dito que os olhos não conseguem ver o essencial das coisas. Apenas o coração. E mais, é-nos dito também que é o tempo que "perdemos" a tratar das nossas "rosas" é que as tornam especiais para nós.

Sejam quais forem os caminhos, minha amiga, a vida e as suas geometrias, merecem sempre que ousemos correr riscos.

Eu é que te sou grata por me leres e acima de tudo pela tua amizade.
Bjs

[Mel de Carvalho]

Nada entendo das linhas do silêncio, mas da lua cor de abóbora bem que eu gostaria de entender! De qualquer forma, um cartão postal com umas letras suas já vai me deixar orgulhosa até! Mesmo se não tiver bandeirinhas eu vou amar!

E é que vai a caminho .... Não tem bandeiras... e é de "dupla-nacionalidade" ... Logo verás!

Beijito da Mel

[Mel de Carvalho]

A geometria do silêncio...nem sempre é fácil de "desenhar".
Ora escuro, cor de breu, ora de ouro.
Cada silêncio...tem a sua essência, o sua cor, a sua geometria.
Depende sempre, de que silêncio estamos a falar.
Gostei muito desta tua prosa! Querida amiga Mel.

Beijinhos...

Gilberto,
perdoa só agora agradecer (vou acumulando, por falta de tempo...). Mas li, recebi por notificação.

Muito grata, tudo de bom para ti neste 2008.
Abraço fraterno
Mel