Estou de partida

[Mel de Carvalho]

No trajecto do crepe, na alacridade póstuma dos sentidos,
prossigo, ilharga quebrada, batel sem rumo, velejado ao fumo seco do teu cigarro.
Por entre o céu
Por dentro da terra
Por sobre a serra, na foz do rio, noz solta no lívido lago, pó no saibro e no barro!

… Sobra-nos a peleja. A lide desavinda, adormecida na ausência da palavra, alastrada na ferrugem do tempo, manifesta em salinas ensaibradas, nas carpas douradas a rebrilhar no tanque e nos baixios dos arrozais.
          Coisas banais…

O Inverno adensa-se em endemismos tediosos. Em pluviosidades adivinhadas e, a noite, a noite azuleja-se e rendilha-se nos bilros da memória. Gélida, mergulha-se agora em archotes brandos.

Nos campos as cores do fogo contrastam com o tempo frio. O corpo desnudo das árvores é esqueleto erecto de troncos e de ramos. Vareja-se nas tranças soltas do vento e lá, lá amado, te asseguro, existe ainda uma cândida flor, uma flor subliminar, uma pétala goiva ainda por decantar.
Um néctar,
      e uma mariposa-cigana errante.
E uma brisa marinha dum mar, dum mar rosa de espuma, dum mar gentio que se agiganta íntegro e absoluto na busca constante do teu vulto.

Ao ritmo dum gesto resoluto, desdigo o verbo, contradigo a dança que te ofereço, a valsa primeira d’ infanta, de mulher-criança, assassino a crença em matizes d’amarelos menores, afogo o beijo no gelo fontanário da pedra, fustigo-me em mimetismos opulentos de gestos coevos, cada vez mais espaçados, cada vez mais lentos.

Caminho escadarias imaculadas de brancas, regresso ao banco dos caminhos, aos portões negros dos castelos seculares, inerte ao apelo da alma, à liderança de ti sobre todos os meus espaços. Sobre todos os meus passos.

Num compasso alado, da serra a ventania traz-me agora a folhagem amarelada, em bandos de estrelas cansadas.
Nos jardins de mim, moram magnólias desnudas em formas decúbitas d’aguarelas. Guardiãs de um tempo lato, os Aceres do Oriente, acolhem sobre os seus ramos perenes os genes da nossa história.
Cerro os dentes nas sílabas emudecidas e nas palavras enverdecidas. Atravesso o véu denso do vento. Estou de partida.
 

[Goreti Dias]

"a noite azuleja-se e rendilha-se nos bilros da memória" ...
Metáforas estrondosas!
Amei!
Bjs

[Mel de Carvalho]

"a noite azuleja-se e rendilha-se nos bilros da memória" ...
Metáforas estrondosas!
Amei!
Bjs
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"a noite azuleja-se e rendilha-se nos bilros da memória" ...
Metáforas estrondosas!
Amei!
Bjs

Goreti, agradeço reconhecida o teu comentário.
Bjs
Mel

[MetalGod]

É para mim um verdadeiro assombro ler o que escreves...
As imagens que usas são de uma beleza arrojada, parece que estás a fragmentar o mundo que te rodeia para de novo o reconstruires á tua maneira. Creio que o mundo irá receber de braços abertos as tuas palavras. Continuação de boa (ou mesmo, direi bajulador, perfeita) escrita.
Tens aqui um fã!!!!!!!!!!!!!

[Mel de Carvalho]

É para mim um verdadeiro assombro ler o que escreves...
As imagens que usas são de uma beleza arrojada, parece que estás a fragmentar o mundo que te rodeia para de novo o reconstruires á tua maneira. Creio que o mundo irá receber de braços abertos as tuas palavras. Continuação de boa (ou mesmo, direi bajulador, perfeita) escrita.
Tens aqui um fã!!!!!!!!!!!!!

Muito grata pelo seu comentário generoso. Seja muito bem vindo ao Escritartes e ao seio dos meus textos. Não conheço ainda os seus, lamentavelmente, mas por certo terei o maior prazer em o ler.

Abraço fraterno

[Cristina Nunes]

oi Mel!

uma prosa que nos leva a cada momento pelo caminho da poesia! lindo...

beijos

[Mel de Carvalho]

oi Mel!

uma prosa que nos leva a cada momento pelo caminho da poesia! lindo...

beijos

Cristina,

sou-lhe muito grata das suas palavras. gosto muitíssimo do que escreve, não obstante ainda não ter comentado. Comecei a lê-la recentemente, confesso... perdõe.

Um abraço fraterno