morada da loucura

[Mel de Carvalho]

moro nos contrafortes da loucura
                                         ou mais atrás, 
onde o pincel da cor ainda dorme casto
e, a tela de linho fosco, teima em permanecer intacta,
esperando a maravilha do verbo redentor:

- a metáfora nua d’aforismos,
desenhada aberta num poema e, este,
esculpido palmo a palmo, à nudez táctil da pele,
ou, tão-só,
          num risco, 
          num simples traço,
epigrafado a azul cobalto p’lo artista original.

moro talvez, imperceptível,
na ostra esvaziada, no búzio sem molusco
eviscerado na fúria algoz dum gancho,
na concha esquecida na orla da praia

          ou ainda

na intemporalidade das coisas vagas
onde persisto, sendo equação sem nexo
e de mim própria morada da loucura
num axioma desproporcional.

[carlossoares]

Mel,

a poetisa reflecte em palavras de rara sensibilidade e significação a consciência das efemeridades. Os mais loucos são aqueles que não têm consciência de que a vida, as coisas, são efémeras e depositam no efémero todas as suas esperanças. Ao poeta importa conciliar a irracionalidade do prazer e da dor de pensar com o prazer e a dor de ser, de estar e de viver.
Muito belo!
Abraço

[Mel de Carvalho]

Esta "morada da loucura" é... Uma loucura! "moro nos contrafortes da loucura/ ou mais atrás ". Nada disso!.. Esta loucura, está bem à frente! 

Gostei muito, Mel!

Minha amiga, que bom é partilhar contigo esta "morada da loucura" onde m'habito.

Beijo grato
Mel

[22segundos]

Cara Mel:

Não obstante (ou felizmente) louco, que louco lugar mais belo para se habitar. A sua escrita, e este poema em particular, leva-nos a percorrer um labirinto maravilhoso de emoções, pois faz-nos viajar ao mais cinzento e indefinido das mesmas. Ao fazê-lo, faz despontar a exploração do sentir, que em si, julgam muitos filósofos e poetas, quando absolutamente prosseguida, pode levar à loucura. (Fecha-se o círculo).
Mil parabéns e obrigado pela partilha desta morada,

22segundos. 

[Goreti Dias]

Quer-me parecer que somos vizinhas... na emoção, na loucura...
Gostei especialmente deste teu poema!
Bjs