Mel de Carvalho
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« em: Novembro 20, 2009, 09:47:42 » |
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não fora as estrelas e os dedos adormeciam sob a pele.
rasgam-se os dias - ermidas ou santuários - onde, a cada instante, numa remota (in)possibilidade se erguem do chão de pedra fria, sulfuretos de águas termais. esboçam os dedos as vontades, os sorrisos de frescura, os lençóis lavados onde nunca se deitaram os corpos. e veem de lá de dentro as vozes, na maciez da pedra, ledda de amores, em diálogos improváveis, achados virgens na doméstica indemne dos sentidos. demora-se em nós a fonte, a lÃrica matricial da água, de amante-amigo, se nos tardamos, corvos na noite, aquém da serra, ou albatrozes divididos, sem leme, na linha do mar…
não fora as estrelas matrizes entre o profano e o litúrgico e não nos restaria sequer o cheiro empapado na poeira, um ocre mate de tÃlias e de rosas, quando a noite remota de bem longe e volta à nossa beira solitária. não fora as estrelas velidas e alvas, como moçoilas (in)versas das trigueiras, em baloiços de vento e não te diria desta perturbação, deste gesto que negando ao mundo te ofereço implÃcito no poema que construo vazio e branco por dentro.
não fora as estrelas e este clima marÃtimo, a beira-mar do tempo, que nos agrega e salga a alma, não traria, desejando, um navio em cada movimentação de água. sequer as fainas das gaivotas, aqui, ao rés do rio, neste balcão onde me sento, seriam, tal qual são, desta forma: intempestivas de tão nervosas. ratos de ar, diz quem sabe. oportunistas, preguiçosas. por não se dedicarem a pescar … como é de sua natureza própria. para além de que propagam moléstias e maleitas de ordem vária. mas que me importa, se a cada voo picado por dentro do meu prato de batatas, residuais batatas fritas, que não como, em desperdÃcio, enchem o meu mundo de chilreios, de trinados coloridos? se, na asa escarpa que sobe agora me elevo e me alteio e, de lá do cimo trago flocos de algodão doce e flores briosas com que te enfeito os cabelos, no branco que se adivinha, no adiantado da hora?
não fora as estrelas e este meu impulso descontrolado, este impulso afectivo de as guardar em peito, arrecadadas em formas circulares de grinaldas e diademas para com elas engalanar as cordas e as barcaças… e seria folha solta noz quebrada no deslizar de verbo. tão frágil, tão pardacenta, rente à pedra, rente à água, fortuita, ora pela ribeira do tejo ora na embocadura do mar de vigo, onde o frio é mais frio mais intenso, na forma vacilante e lenta, lendo de joan zorro, uma a uma, todas as cantigas de amigo. leio-te esta “pela ribeira do rio salido/trebelhei, madre, com meu amigo//amor migo/que non houvesse/fiz por amigo/que nos fezesse…â€
não fora as estrelas…
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