britoribeiro
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« em: Abril 11, 2014, 09:36:20 » |
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A sombra deslizou sobre o meu castelo de areia, imobilizando-se sobre o barquinho de folha-de-flandres, que noutra vida acondicionara chouriças. Endireitei-me, pisquei os olhos doridos pelo violento contra luz. A manhã de estio quase a terminar, o sol no apogeu, dizem hoje ser perigoso para a derme. Nesse tempo não se pensava nisso, o sol tinha melhores humores. A sombra projectada no meu reino do faz de conta, representava a silhueta de um homem de longa barba branca que se agigantava sobre mim, observando o motivo da minha concentração. Por um instante fiquei convencido que o Pai Natal tinha descido à praia. Tirou o chapéu de palha de aba larga, enxugou o suor da testa com um lenço grande e voltou a cobrir-se. O areal apinhado de crianças, uns vigiados por mães e amas; outros, habituados desde sempre à “praia das criançasâ€, livres de tantos cuidados, que se bastavam a si próprios, apenas à hora em que a fome apertava regressavam à penumbra do lar. O homem confiava a barba com um sorriso triste, distante. Aproveitei esse momento para melhor observar o amarrotado fato de linho branco. Calças arregaçadas, à pescador, deixavam a nu os pés grandes e os joanetes salientes. Olhos azuis, vivos, saltitavam a cada movimento que eu fazia. O cabelo caia em cachos para fora do “palhinhasâ€, sobre os ombros, aconchegando-se à gola do casaco do qual não destoava a cor. Repentino, desinteressou-se, deu-me as costas e continuou caminho, calcorreando a areia escaldante até ao próximo grupo de catraios que sonhavam com o castelo dos mouros, entre pás e baldes de plástico que serviam de forma aos torreões inexpugnáveis. “É o senhor Catitaâ€, “que pena, parece que lhe morreu um filhoâ€, “um filho, um bebé, coitado, ficou assimâ€. Para nós era apenas o Catita, o homem que velava pelas crianças na praia. Ano após ano, surgia do nada com a missão de assegurar aos outros o que não conseguira evitar a si próprio. Um cruzado de armadura branca, que ia e vinha sem dar satisfação, respondendo apenas perante o seu desÃgnio. Um ano o verão começou sem o Catita. Teria o sol adiantado o seu horário, a sardinha abalado para outro portinho, estaria agora na companhia do filho que tanto amara? Não soubemos, mas a praia nunca mais foi a mesma.
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