outro eu II

[JLMike]

Anoiteceste em mim
mas não consegui
ser-te cama.

Cortaste-me a trela
e soltaste-me
mas não contavas
que eu
tivesse outra
trela.
Como poderias
sequer saber?

Mostras carinho
por
cães vadios,
homens-da-noite-sem-fim
homens-criados-das-folhas-mortas
homens que vivem
na ilusão
do
sonho,
que pernoitam
fora deles mesmos,
nas luzes florescentes
das cidades
inventadas.

Tento amanhecer
em
ti
mas o sol
não te brilha
nos
cabelos negros.

O azul-verde
do mar
não espelha os
teus
olhos.

Os meus,
castanhos,
escuros,
como a
noite-das-cidades-inventadas,
não se reflectem
nos
teus.

És como um
espelho
que se
reflecte
a si
mesmo na
imensidão da
casa
vazia...

as paredes
estão
cobertas por
papeis,
jornais com noticias,
classificados,
carcomidos pelo
tempo,
amarelados de velhice:

"Humano procura Humano para amar"

Está escrito
em toda a
parte mas
nem eu
nem tu
sabemos já ler.

Falamos em duas
linguas
que derivam
da mesma
mas
mesmo assim
não percebemos nada.

Não.
Não sao duas
linguas diferentes.

São a
mesma
mas tu, do outro lado
do espelho,
falas-me ao contrario
e eu
deste lado
falo correctamente,
ou vice-versa,
e não
percebemos
o que o
outro
fala.

Olá, quem és tu?

Não sei
se
me sabes
responder.

E
mesmo
que saibas
eu não te entendo.

Somos os opostos
da moeda
que foi atirada
ao
ar.

Cara ou Coroa?
Que sorte é a tua
e que sorte é
a minha?
Que sorte é a
nossa?
Teremos
sorte, sequer?

"Olá, quem és tu?"
E anoitece de novo.

[Goreti Dias]

Numa bela manhã, o espelho deixará de reflectir em espelho e ambos falarão a mesma língua!
Belíssimo!

[Dionísio Dinis]

Diálogo ou monólogo? A certeza que se pode ter ao ler este poema, é que se trata de uma escrita madura e eminentemente criativa!Muito bom!